ISRAEL SIMÕES | Precisamos falar sobre Walewska

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Morreu, na última quinta-feira (21), a ex-jogadora de vôlei da seleção brasileira Walewska Oliveira, aos 43 anos. Ela foi encontrada morta na área de lazer do prédio em que morava, em São Paulo. As investigações sobre a tragédia estão em andamento, mas tudo indica que Walewska cometeu suicídio, saltando do 17º andar do edifício.

Walewska enviou mensagens ao marido no mesmo dia e também deixou uma carta de despedida junto a uma garrafa de vinho. Em depoimento à polícia, Ricardo Alexandre Mendes, com quem ela era casada há 20 anos, afirmou que “não estava feliz ao lado dela” e que já teria pedido o divórcio. O casal vivia uma crise há 4 anos.

Teco Condado, amigo e biógrafo da campeã olímpica, concedeu uma entrevista hoje ao portal UOL dizendo que, durante os encontros ao longo de um ano com Walewska, foi o tema do casamento que a levou às lágrimas e que ela parecia ser completamente apaixonada pelo marido.

Alexandre não esteve presente no enterro, realizado hoje (23), em Belo Horizonte.

Profissionalmente, a carreira de Walewska foi praticamente perfeita. Ela fez parte da campanha que culminou no inédito ouro olímpico da seleção feminina de vôlei nas Olimpíadas de Pequim – 2008. Também ganhou uma medalha de bronze nos jogos de Sidney, em 2000, a primeira medalha olímpica da história da seleção. Aposentou em 2022, no time mineiro Praia Clube, sendo peça-chave na primeira e única taça da Superliga feminina conquistada pelo clube, na edição 2017/2018 da competição.

Walewska também lançou um documentário e uma autobiografia após sua aposentadoria, rodando o país em eventos organizados com bastante sofisticação: a ex-jogadora andava sempre muito bem vestida, compartilhando diversos looks luxuosos em sua rede social. No depoimento à polícia, seu marido relatou que o desgaste do casamento se deu, entre outros motivos, pelo comportamento consumista de Walewska, que dilapidou boa parte do patrimônio do casal em compras.

Estamos falando, portanto, de uma multicampeã que estendeu sua carreira até os 42 anos em excelente forma física, mas com uma vida pessoal aparentemente conturbada.

Quando esteve em Belo Horizonte para o lançamento do seu livro, a ex-jogadora convidou as meninas com quem começou a jogar quando tinha 14 anos e afirmou: “vamos nos reunir e fazer uma foto daquela turma. Tenho esse resgate também em Belo Horizonte, dessa coisa afetiva que eu não tive tempo de cultivar tanto, mas que permanece muito em mim…”.

A essa altura, o leitor já deve ter percebido um possível desequilíbrio entre as diversas áreas da vida de Walewska, tão comum em atletas de alto rendimento. Especialmente para as mulheres, a decisão de ter ou não filhos, por exemplo, pode ser determinante para a continuidade da carreira.

Sheilla Castro, possivelmente o maior nome do vôlei feminino brasileiro, com diversas medalhas e premiações individuais, não teve mais destaque no esporte após o nascimento de suas filhas gêmeas, em 2018, vindo a aposentar também em 2022. Outro exemplo marcante é Serena Williams, tenista norte-americana que fez de tudo para voltar à boa forma após o nascimento da sua filha Alexis, em 2017. Se vencesse um novo grand slam, garantiria um recorde ao lado de Margaret Smith Court, que conquistou 24 títulos, mas Serena acabou aposentando com 23 taças de grand slam, após diversas tentativas, com dificuldade para perder peso, às vezes mal conseguindo correr para alcançar bolas durante os jogos.

Percebem que o esporte não é o mesmo para homens e mulheres? Assim como o mercado de trabalho, a política, os ambientes competitivos em geral, mas em tempos de discursos de igualdade e de reações histéricas a quem tente questioná-los, este tema simplesmente não aparece em qualquer espaço jornalístico e midiático.

Enquanto os homens podem constituir família a qualquer tempo, as mulheres perdem a sua capacidade reprodutiva por volta dos 40 anos de idade. Não há discussão aqui, mas pura biologia. É uma realidade que precisa ser encarada nos debates sobre sofrimento psicológico de mulheres ex-atletas de alto rendimento.

Nos últimos dois dias, falou-se muito em “saúde mental”, “depressão”, “setembro amarelo” e “precisamos falar sobre suicídio”, mas as possíveis causas do sofrimento de quem chega ao fundo do poço permanecem silenciadas. Na verdade nem em suicídio falam: a mídia brasileira está noticiando a morte de Walewska como “queda do 17º andar”.

Uma ex-atleta de alto nível com inúmeros troféus na sala e diversas possibilidades de empreendedorismo pós-aposentadoria, em um aparente auge de beleza, boa forma e autoestima, porém sem filhos e prestes a perder o marido. Foi esta mulher que, de repente, se viu sem perspectiva e razão para viver.

Que sua trágica morte sirva para abrirmos o diálogo sobre os paradoxos que atormentam a mulher moderna. E que, desde já, fique claro: não evoco aqui tradicionalismos estereotipados, porque adoro esporte feminino. Há algo de especial e único em ver mulheres fortes batalhando dentro da arena.

Mas as lutas internas de uma mulher carente, desesperada, frustrada ou confusa podem ser infinitamente mais severas do que bolas caindo no chão.

Direitos de imagem: Patricy Albuquerque / @patricyphotography

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