ISRAEL SIMÕES | Atraídos pelo mal

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Quando Billie Eilish foi para o estúdio gravar Bad Guy, tinha entre 15 e 16 anos. Uma adolescente. Na letra da música, ela fala de um homem durão que gosta de pegada bruta, anda com o peito estufado e a trata como animal. Para rivalizar à altura, Billie declara: “Eu sou do tipo ruim, do tipo que deixa sua mãe triste, do tipo que deixa sua namorada brava, do tipo que talvez seduza o seu pai. Eu sou a vilã”.

Na mesma toada de alimentar paixões nas sombras, Todd Phillips, o diretor do aclamado Joker (Coringa), iniciou sua carreira de cineasta produzindo um documentário sobre GG Allin, um vocalista de punk rock que ficou famoso, nos anos 90, por se apresentar nu, defecar no palco, ingerir seus excrementos, se cortar com cacos de vidro, introduzir o microfone no próprio ânus, lançar suas fezes na cara do público, entre outras bizarrices. Provavelmente inspirado pela infância de Allin, que sofrera nas mãos de um pai alcoólatra e doente mental, foi que Philips criou o fictício enredo de Joker. Diferentemente do clássico personagem de quadrinhos, que é mal por ser simplesmente mal, o Coringa do diretor americano tem um motivo para ser perverso: seu passado de judiação junto à mãe e padrasto.

Enquanto Billie se vinga do amante, Joker se vinga da mãe e todos devemos ter, também, um motivo para nossas vinganças.

Não espero que alguém tenha paciência para uns sujeitos iluminados que adotam uns modos meio delicados e minimalistas de se portar, como quem compra santidade nos cabideiros da Zara, mas a modernidade parece viciada em dar razão as nossas irracionalidades e ouvidos as nossas loucuras. Queremos saber porque o mal é mal e com ele dialogar, no perigoso limiar da humanização que gera empatia e…desejo.

Os consultórios psiquiátricos estão abarrotados de adolescentes ansiosos por matar ou morrer. Vida de bicho, enquanto não dorme ou acasala.

Em um contorcionismo bizarro da estrutura da substância humana (corpo-mente-espírito), a mentalidade moderna elimina a zona intermediária da inteligência, dicotomizando a realidade em corpo e espírito, chamando de humano tudo que é apenas corpo e gloriando-se, assim, de nos proteger dos absurdos ideias da moral religiosa, nominando até mesmo a mera sanidade de fanatismo. Ela nos rebaixa até concebermos numerosos demônios com sede de sangue.

Quando Cristo é chamado de Logos, aquele que encarna a palavra dita, a verdade revelada, a razão divina, é porque ele é a segunda pessoa da Trindade e produz, pelo seu testemunho, a ponte entre céus e terra. Mas parece que a cultura pop almeja recrucificá-lo quando intenta assassinar cada uma de nossas consciências, liberando os impulsos, as crueldades e salve-se quem puder.

É neste contexto que artistas como Billie Eilish são alçadas à condição de ídolo: virando os olhos e retorcendo os dedos em meio aos cabelos ensebados.

Na impossibilidade de almejarmos a perfeição, ainda que em vislumbre, resta-nos somente duas opções: a fantasia de uma divinização cabal, aqui e agora, narcisista e psicótica, ou o destino brutal de realizar apenas as potências do reino, do filo, da classe, da ordem, da família, do gênero e da espécie.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Que façamos a nossa parte, iluminando os caminhos, a começar pela família, vizinhos, comunidade, bairro, cidade, estado e país. Só assim dominaremos a sombra esfomeada.

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