ISRAEL SIMÕES | Oksana, a mãe-heroína

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

O mundo está tão virado do avesso que, no lugar de exaltar boas referências de caráter, inteligência e força física, precisamos vir aqui nesta coluna exorcizar os demônios soltos pelo inferno. Não se aliando a eles, você corre menos risco de levar uma vida doentia, ainda que nada heroica. Hoje, no entanto, será diferente: ao invés daqueles políticos, artistas e juristas que nos evocam o sinal da cruz, falaremos de uma mulher digna de aclamação e que deve inspirar esta geração de meninas tão inclinadas às dancinhas e vulgaridades banais.

Falo de Oksana Chusovitina. Uma ginasta do Uzbequistão que compete em provas de ginástica artística e que já participou de oito (!) olimpíadas em sequência. No início deste ano, aos 48 anos de idade, ela conquistou a medalha de bronze no salto, na etapa de Cottubus, na Alemanha, na Copa do Mundo de ginástica artística. Ano passado Oksana venceu três provas na mesma copa e o título nacional, superando compatriotas até 30 anos mais jovens.

A atleta passou a última semana de setembro disputando na Ásia e confirmou: sonha estar em Paris, no ano que vem. “Quero atuar. Adoro ginástica e essa profissão me traz muita alegria. Só estou fazendo o que amo, então por que deveria parar?”, declarou Oksana.

E realmente Oksana nunca parou, exceto para gerar seu filho Alisher, em 1999, fruto do seu casamento de 26 anos com o lutador greco-romano Bakhodir Kurbanov.

Em 2002, com três anos de idade, Alisher foi diagnosticado com leucemia e, sem condições de arcar com o tratamento, Oksana foi convidada para integrar um clube de treinamento na Alemanha, em troca de um seguro saúde e uma campanha para angariar fundos. Por dois anos, entre 2006 e 2008, quando obteve a cidadania alemã, Oksana competiu pelo país, inclusive na olimpíada de Pequim (2008), conquistando a prata no salto.

Foi um período em que a atleta se revezava entre o hospital e o ginásio. À época, uma declaração de Oksana para o filho ressoou em muitos: “Não me atrevo a envelhecer até que você esteja bem”.

Hoje Alisher está com 24 anos, muito bem de saúde e acompanha de perto a longeva carreira da mãe. “Ele é minha maior inspiração. E a ginástica é minha vida. Meu filho e meu marido estão lá no Uzbequistão. Falo com os dois todos os dias. Alisher pergunta como eu estou, se está tudo bem e como as coisas vão indo. Quer saber tudo.”, declarou Oksana quando competiu nas olimpíadas do Rio, em 2016.

Que exemplo primoroso de mulher moderna! Exatamente assim: primeiro mulher, depois moderna. Não falo de uma mãe de sete filhos com cabelos longos e vestidos floridos. Pelo contrário: em sua mais recente competição, Oksana ostentou um corte de cabelo militar, estilo moicano, com as laterais raspadas na máquina quase zero. E se querem saber, combinou muito bem com seus músculos ainda tonificados e as marcas de expressão no rosto.

Quando, na semana passada, refleti sobre a vida pessoal da ex-atleta de vôlei Walewska, que tragicamente cometeu suicídio depois do pedido de divórcio do marido, em um casamento sem filhos, fiz questão de ressaltar: “não evoco aqui tradicionalismos estereotipados”. Pois se por um lado defendo a reversão de uma cultura que tirou as mulheres de casa para enfurná-las em enfadonhos escritórios, por outro rejeito a sanha legalista, pretensamente conservadora, que pensa poder prender todas as mulheres em pequenos apartamentos sentadas no chão, brincando com os filhos em tapetinhos, lavando e passando uma infinidade de roupas, esfregando buchas em uma pilha interminável de pratos e copos.

Oksana é a prova de que mulher não precisa ser carola, desde que não seja medíocre. Entre madres teresas e joanas d’arcs, há muito espaço no coração de Deus.

E se muitas são convocadas pela realidade para evidenciar o amor cuidadoso e abnegado da mulher do lar, outras são o exemplo de que um trabalho persistente pode ser a providência divina para uma maternidade heroica, que se desdobra em duas para salvar a família.

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1 COMENTÁRIO

  1. Se tratou bastante desse tema na edição sobre Mulheres. Agora, teria que ver o número dessa.

    Tua coluna vai no espírito de um texto que escrevi no Facebook já faz um tempo, com o provocativo título “Coragem: virtude masculina”: https://www.facebook.com/paulo.r.t.sanchotene/posts/pfbid02PwjgKUYeqEtcRYmeD5uC69HURBvKvKE3srsq2g54aj4MDd9aHUDFirqk36SKka5Zl

    “Mulheres são capazes de desenvolver virtudes masculinas, tanto quanto há homens incapazes disso. Conheço diversas mulheres ‘com colhões’ — ainda assim, mantendo-se lindas e femininas. Pessoalmente, acho que elas sejam o paradigma da mulher madura; ‘Mulherões’ com ‘M’ maiúscula.”

    Oksana realmente tem colhões de sobra…

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