A dívida de Mercedes
Tudo aconteceu muito rápido. Ao entrar, a moça deixou o seu guarda-chuva dentro do grande cesto de plástico, à entrada da clínica. No recipiente improvisado havia dois outros guarda-chuvas. E, apesar do mormaço do início da primavera, fazia bastante frio no interior do estabelecimento médico.
— “Ai!, boa tarde! Moça, pelo amor de Deus, desliga esse ar-condicionado!”.
— “Boa tarde. Claro! É que lá fora tá muito calor, né?”
— “Aff! Brigada”.
— “Você tem hora marcada?”
— “Tenho sim. Três e meia. Que horas são?”
— “Três da tarde. Pode sentar. Daqui a pouco o Doutor chega. Você já o conhece, né? Ele falou com você?”
— “Sim, é o Dr. Pedro. Nós nos falamos ontem. Ele deixou por quinze mil”.
— “Certo. Pode sentar, então. Eu vou abrir uma nova ficha”.
Desde que entrara na clínica, a moça, distraída e irritada, não percebeu que a recepcionista não era a única alma vivente ali. Não. Havia um homem sentado a um canto. Figura estranha. O susto foi inevitável:
— “Ai!, meu Deus do céu! Que susto, meu senhor! Por que não avisa que tá aí? Dá ‘boa tarde’, pelo menos. Caramba”.
— “Eu quis dar ‘boa tarde’ a senhorita só quando você notasse a minha presença. Boa tarde!”.
O homem usava um impecável conjunto social — e óculos grandes, com lentes grossas, que realçavam seus penetrantes olhos azuis. Ele sorria amavelmente.
“Aff!, tiozinho esquisito”, disse a moça baixinho. Ela parecia perturbada.
— “Filhinha, por que não se senta? Você não parece bem”.
— “Vish! Dá licença, tiozão! E tira os olhos da minha barriga!”
— “Por que esse ódio? Isso é maravilhoso!”.
— “O quê?”.
— “Sua gravidez. Eu disse que é uma coisa maravilhosa. Não é?”.
— “Claro que não. Porra! Eu quero abortar. Tô aqui pra isso! Esse estabelecimento é uma clínica de aborto! Vem cá, quem é você? Escuta, moça, quem é esse tiozão?”
A recepcionista não entendeu a pergunta. Gentilmente, pediu para a grávida buscar assento — e ofereceu água e café.
— “Não. Brigada. Tô bem”.
O homem sentou-se ao lado da mulher grávida.
— “Posso lhe dizer uma coisa?”
— “Vai, tiozão, desabafa o coração”.
— “Não faça isso. A vida é um dom, é um presente de Deus. Não é justo que você entregue o seu filho à morte simplesmente porque não quer assumir as responsabilidades. Você realmente acredita que aqueles que se ofereceram para matar o seu filho querem o seu bem, a sua felicidade? Você realmente acredita que alguma coisa boa pode vir de um ato tão injusto? Diga-me, filhinha, você é burra?
…
O Dr. Pedro chegou, e jogou o seu guarda-chuva no cesto de plástico — no qual agora só havia um guarda-chuva. Ele parecia ser um homem vaidoso: bem vestido, falava com a recepcionista como se conversasse com uma amante; sorria maliciosamente enquanto comia a moça com os olhos. Finalizou as boas-tardes com um longo beijo na mocinha, um beijo viril, é verdade. Ardente e voraz.
— “E agora, Mercedes? Perdi quinze mil reais. Vai, levanta! Vamos lá para a minha sala que agora você me deve!”.
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