ISRAEL SIMÕES | Cala a boca Barbie

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Estreou na última quinta-feira (20) o filme Barbie, uma comédia pastelão digna de sessão da tarde que todo mundo jurou que seria trash, filme B, mas que foi alçada ao posto de clássico do cinema antes mesmo da primeira exibição, graças a uma grandiosa e assertiva campanha de marketing. Movimentando o mundo da moda, da música, dos memes e discussões ideológicas, das memórias afetivas e guerras de sexo, Barbie se tornou pauta obrigatória: todo mundo precisa se posicionar sobre o filme, contra ou a favor, para a alegria dos seus produtores.

Depois das primeiras críticas e comentários de quem foi ao cinema, confirmou-se o que já estava evidente nos trailers e cenas liberadas: Barbie é uma perda de tempo. Sem graça, sem drama, sem ação, o filme oferece apenas diversão leve, cenários plastificados e aquela liçãozinha de vida para estudantes de quinta série. Repete assim a irrelevância de todos os últimos filmes da Marvel, do último James Bond, do terrível Avatar 2, do pior ainda Mulher-maravilha 2 e tantos outros blockbusters lançados nos últimos anos.

Que os filmes-pipoca se proponham à superficialidade, ao entretenimento óbvio e imediato, tudo bem, faz parte da diversão, mas nem isso andam entregando.

Leia os comentários de gente comum que foi aos cinemas ver Barbie: saiu frustrada. Mas se você postar uma crítica na internet saiba que, logo abaixo, virá uma chuva de explicações e ensinamentos: “você não entendeu”, “não era a intenção do filme”, “se não gostou, guarde pra você”, é o que dizem os jovens universitários esclarecidos.

Quando foi revelado que Margot Robbie seria a intérprete de Barbie nos cinemas, muita gente torceu o nariz. Apesar de ser loira de olhos azuis, Robbie em nada se parece com a boneca: tem traços fortes, um rosto angulado e sinais de envelhecimento precoce. Mas rapidamente a Mattel, companhia detentora da marca Barbie, resolveu o problema: mudou a cara da boneca para ficar mais parecida com a atriz. Agora não faltam postagens, pelas redes sociais, dizendo que Margot Robbie é a própria Barbie, a encarnação da boneca, a escalação perfeita, inquestionável e unânime. Usam até filtros no rosto da atriz para convencer de que é ela a Barbie e nenhuma outra, amém.

(Porque Barbie tinha que ter a cara da Arlequina, perpetuando este vício moderno em explorar contradições…).

A pauta feminista do filme ficou longe da estratégia de divulgação: Robbie anda desfilando looks para lá de femininos, abusando do rosa, das pérolas, do salto agulha, plumas e brilhos, sendo copiada por uma legião de influenciadoras que parecem muito felizes em poder voltar a usar roupa de mulher. É que a agenda progressista obrigava essas moças a se distanciarem da estética pink, mas agora pode, sob as bênçãos da indústria.

Ryan Gosling, intérprete do boneco Ken, em uma versão mais idiotizada que os aloprados da cirurgia plástica entrevistados pela Luciana Gimenez, tem aparecido nas premières de ternos coloridos, descolados, mas com as caras e bocas de um verdadeiro galã de cinema. Não há trejeitos ou gracinhas, mas a mais pura masculinidade hétero, para o delírio da mulherada que se aglomera nos arredores dos tapetes-vermelho.

Onde está, portanto, a disrupção? A desconstrução do velho mundo para a inauguração da nova metrópole democrática, ecumênica, diversa, inclusiva, colorida, queer? Ficou apenas na mensagem do filme.

Aqui fora, no mundo real, ainda é mais fácil introduzir as tolices da cultura moderna por meio da doce e palatável estética tradicional. É por isso que Hollywood permanece nos oferecendo a beleza e o tesão dos corpos de Jack e Rose, Darcy e Elizabeth, Sr. e Sra. Smith, Barbie e Ken.

As moças continuam adorando vestidos rosa, os homens permanecem ignorando bonecas e comédias românticas. Tudo está como sempre foi na mais perfeita ordem, exceto o discurso.

Assim perdemos a grande vantagem dos brinquedos antigos sobre os filmes e desenhos modernos: eles eram bonitos, divertidos e não abriam a boca para desfazer o encanto.

Agora a Barbie fala, asneiras sem fim.

Direitos de imagem: https://www.wallpaperflare.com/barbie-doll-waving-wave-hello-blonde-female-woman-pink-wallpaper-guqmb#google_vignette

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