ISRAEL SIMÕES | Agenda Batcu

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Se você entrar agora no portal G1, a página de notícias do grupo Globo, não verá uma palavra sequer sobre a dancinha erótica realizada em um evento do Ministério da Saúde na última quinta-feira (05). Podem até ter noticiado, mas deixaram o fato bem escondido, dado o tamanho do escândalo que ele pode representar para o atual governo.

As imagens chegaram até mim por meio das redes sociais de um dos deputados da bancada conservadora no congresso. Tão logo vi o que vi, dei um Google na expressão “Ministério da Saúde”, mas na grande mídia não havia qualquer cobertura do episódio. Então começou a pipocar na Oeste, no BSM, na Gazeta, nas redes sociais e aí sim, a moça de quatro com o vestido arreganhado, calcinha fio dental, dando tapas na própria bunda, começou a ocupar as manchetes dos jornais.

Isso mesmo: no intervalo do 1º Encontro de Mobilização para Promoção da Saúde no Brasil, organizado por um departamento da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, uma “dançarina” rebolou ao som de “Batcu”, hit de Aretuza Lovi com Valesca Popozuda. O vídeo começou a circular na quinta-feira, mas somente no dia seguinte, após a repercussão negativa, o Ministério da Saúde soltou uma nota admitindo que a coreografia foi “inapropriada”, chamando o fato de “episódio isolado”.

Não Sra. Nísia Trindade, não tem nada de isolado. Há anos estamos testemunhando uma vulgarização da cultura de massa que vem sempre acompanhada da agenda progressista.

Quando Anitta venceu o prêmio internacional Vídeo Music Awards, no ano passado, recebeu os parabéns do próprio presidente Lula. Foi no vídeo da música Envolver que a cantora lançou um novo tipo de dança, deitada no chão, jogando a bunda para cima em movimentos repetitivos, tão imitada em vídeos no TikTok e pela própria dançarina do Ministério da Saúde.

A favelização da MPB também é um projeto de longa data da Rede Globo, que vem dando espaço a funkeiros e MC’s no horário nobre, enquanto fecha as portas para a música popular brasileira à moda antiga, como samba e bossa nova. Inclusive na última temporada do Dança dos Famosos, quadro apresentado pelo Luciano Huck nas tardes de domingo, não faltaram traseiros virados para a câmera, naquele ângulo que só era privilégio dos colonoscopistas.

Escrevendo esta matéria me recordei de um episódio de uns 8 anos atrás, quando eu frequentava diariamente um campus de universidade federal e testemunhei quatro jovens completamente nus (digo, quase completamente, porque os rapazes usavam meias penduradas em suas genitálias), com microfones na mão e uma caixa de som, dançando e cantando “peca pepeca”, uma espécie de grito militante que eu me recuso a chamar de música. À época minhas colegas de trabalho, psicólogas, pedagogas e assistentes sociais, defenderam o direito do grupo se manifestar, mesmo que sem roupa, à luz do dia, no horário de saída das crianças do centro pedagógico que ficava na mesma rua.

Talvez a solidariedade se deva à debilidade que aquelas pessoas pareciam carregar: mulheres obesas, homens cadavéricos, com pelos e cabelos que pareciam não ver uma tesoura há anos. A aparência de fragilidade sempre dará, ao libertino, o pretexto de liberdade para derrubar a liturgia e o decoro.

A notinha do Ministério da Saúde é apenas peça de marketing para disfarçar a real intenção deste governo: rebaixar a cultura, a mentalidade geral, a instrução e a moralidade de uma nação ainda incipiente, remodelando-a conforme os seus projetos de poder, infinitamente mais fáceis de serem executados se o cidadão estiver de cabeça baixa, andando com as quatro patas sobre o chão.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor