ISRAEL SIMÕES | O poder da linguagem

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

No último dia 18, em um debate na Câmara dos Deputados sobre a resolução do Conselho Federal de Medicina que limita o aborto legal após a 22ª semana de gestação, a deputada federal Erika Hilton falou em “Mulheres, meninas e pessoas que gestam” para defender a atual legislação vigente. A expressão “pessoas que gestam” causou reações na bancada conservadora, que consideravam “mulheres e meninas” suficiente para descrever potenciais gestantes, mas suas falas foram rechaçadas pela deputada aos gritos de “Não estou aqui pedindo a sua opinião…”.

Para Erika, as pessoas ditas transmasculinas (mulheres que passam a se identificar como homens) devem ser incluídas no rol daquelas que gestam de maneira distinta, pois ainda que, biologicamente, carreguem a estrutura reprodutiva feminina, socialmente são homens.

Ora, em uma discussão sobre aborto, as designações de homem e mulher fazem referência ao sexo biológico, não ao papel social do denominado “gênero”. A reivindicação de uma inclusão de quem nunca esteve excluído, nesse sentido, é completamente desnecessária. Do contrário, estaríamos reconhecendo que “homem” e “mulher” já se referem, primariamente, ao gênero, ficando o sexo biológico em segundo plano (mesmo em uma discussão sobre uma resolução do CFM!).

Nem esquerda nem direita foram capazes de identificar tamanha contradição: de que se defenda a inclusão de todos os gêneros capazes de gestar em uma temática que é sobre sexos capazes de gestar (mulheres biológicas, independentemente do gênero).

Obviamente que, ao debater com a deputada Erika Hilton, os conservadores já estão obrigados a aceitar, cultural e juridicamente (incluindo este autor), que a transgeneridade é condição posta e pacificada. A retirada da transexualidade da seção de transtornos mentais da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) ocorreu em 2019, durante a 72º Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, independentemente da opinião de médicos e psicólogos com uma compreensão distinta da condição.

Sendo assim, o gênero se impôs. E se se impôs, é esperado que, em um debate sobre o aborto, pense-se a partir do gênero, não do sexo biológico. Por incrível que pareça, nos termos da linguagem oficial, utilizada por deputados progressistas e conservadores, Erika Hilton tem razão: são mulheres, meninas e pessoas que gestam os indivíduos capazes de gestar.

Mais uma vez, devemos dar a mão à palmatória do Prof. Olavo de Carvalho: “Não há instrumento de controle social mais eficiente do que a imposição de novas normas de linguagem…”.

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