ISRAEL SIMÕES丨O beco das ratoeiras

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Mas é ruim para o povo! Com esta simples sentença, uma mulher calou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, na última quinta-feira. Retorcendo-se nas palavras para justificar o seu apoio à reforma tributária do governo Lula, aprovada a toque de caixa no Congresso sem qualquer discussão com a sociedade, o governador parecia bastante seguro ao pegar o microfone em plena reunião lotada do Partido Liberal, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, para defender uma tal de narrativa; que a direita não poderia perder uma suposta narrativa reformista.

Talvez por trajar um belo terno grafite de corte americano, o ex-ministro da Infraestrutura achou que poderia assumir ali a voz de comando. Foi vaiado, depois ignorado, depois humilhado por Ricardo Salles, que mostrou, mais uma vez, ser coerente com os anseios do conservadorismo.

De onde esses políticos da nova direita tiram a ideia de que tomarão o poder declamando narrativas? Arranjando discursos e disputando meras eloquências? Se existe uma concepção que fundamenta o pensamento conservador é a de que a verdade é única, irrefutável, inegociável, imperativa.

E encantadora. Falar a verdade é a maneira mais eficaz de conquistar o povo. Se apresentada de um jeito bonito, melhor, mas pode ser também no modo xucro e ordinário que funciona, simplesmente porque é verdadeira (lembre-se: são as vozes reptilianas, sagazes e enganosas, que precisam construir narrativas…).

Obviamente que, dos rompantes de sinceridade, podem sair pérolas como “Não sou coveiro”, inconvenientes e pouco estratégicas na política. Mas se o grau de verdade é o balizador da fala boa ou ruim, o problema maior está nestas meias verdades proferidas com tom de obviedade. No conteúdo, portanto, mais do que na forma.

Quando denunciava os absurdos da agenda cultural progressista, em pautas como ideologia de gênero e doutrinação nas escolas, o presidente Bolsonaro tirava de letra. Foi ali nas conferências de imprensa, nos programas de TV populares e nas mídias sociais, esbravejando verdades que qualquer pessoa com bom senso deveria professar sem medo da opinião alheia, que o capitão desceu o sarrafo, remodelou o jogo político e botou a voz do povão no miolo de Brasília. Ele deixou para trás os amantes da elegância fingida como Mandetta, Dória e Bivar e deu um jeito de tirar a máscara de outros tresloucados que passaram pelo governo (falo dos agitadores que pareciam querer derrubar o sistema na força do sincericídio, nem que para isso fosse preciso implodir o país inteiro).

Mas então vieram as eleições. O homem estava cansado, emotivo, apreensivo e bem…não fez nem uma coisa nem outra. Nem aprimorou o discurso para desnudar as verdades mais duras e sofisticadas dos esquemas que dominam o sistema político brasileiro…nem de fato meteu a cara e os pés na disputa linguística mais baixa, da denúncia de vulgaridades, como fez em 2018.

Talvez por isso as expectativas sobre Tarcísio eram altíssimas. Sincero, mas sereno, o governador parecia enquadrar-se na figura paterna que o brasileiro tanto gosta sem afugentar as classes conservadoras e liberais mais exigentes. Tudo isso até ele vir, ontem, com essa história de narrativa (particularmente nunca acreditei no conservadorismo de Tarcísio. Cantei a pedra de sua discreta debandada aqui, nesta coluna: https://revistaesmeril.com.br/israel-simoes-zambellismo/).

Na verdade Tarcísio já vinha causando a irritação dos conservadores desde que o seu governo apoiou financeiramente a Parada LGBT, no último mês de junho. Na ocasião o governador se defendeu com as seguintes palavras: “A gente está hoje no dia que foi dedicado ao combate ao preconceito à população LGBTQIA+. Essas paradas são importantes, pois despertam a consciência para que a gente tenha uma sociedade cada vez mais tolerante…”.

Uma mentira floreada por belas intenções democráticas, já que tais passeatas têm servido apenas para a prática de intolerância religiosa em plena luz do dia.

Será que a direita está fadada a ser exprimida no beco das ratoeiras, entre bárbaros e aristocratas, à margem dos interesses em disputa? Quem será o homem capaz de proferir sentenças de cortes rápidos, calando seus opositores, conquistando a massa sem abdicar daquelas parábolas que enviam mensagens indiretas, comunicam mistérios, na mais profunda revelação da realidade?

“E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Palavras que ecoam da fundação do ocidente cristão à recente onda conservadora brasileira.

Eis aqui, portanto, a esperança: que a verdade, por si mesma, pode nos livrar dos falsos contadores de histórias e daqueles que, por ausência de repertório, se perdem nas palavras.

Desde que estejamos inclinados a conhecer, mais do que apaziguar, conciliar…esbravejar, mitar, vencer.

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