ISRAEL SIMÕES | Zambellismo

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Bolsonarismo. Quem inventou este termo? Dê o nome do charlatão e lhe pagarei uma recompensa. Pensando bem, pouco importa, já pegou. Não há comentarista político hoje, de um lado e de outro, que não se refira às pessoas simpáticas ao ex-presidente Bolsonaro como bolsonaristas, os membros integrantes desta entidade abstrata e imprecisa.

Se fôssemos de fato bons alunos do professor Olavo, não inventaríamos moda. Resistiríamos à manipulação semântica dos formadores de opinião mais salientes – comentaristas de mídia, acadêmicos, políticos, humoristas – para exercer aquela função denominativa da linguagem, descrevendo as coisas como elas são.

Os seguidores de Bolsonaro não são simplesmente os bolsonaristas, mas homens e mulheres comuns, em geral católicos e evangélicos preocupados com o futuro dos seus filhos e netos, caminhoneiros, motoristas de aplicativo, donas de casa, pequenos empresários, enfim, os “tios do zap”, defensores de um país que avança, mas que preserva a mínima decência herdada de suas mães e avós. É tão difícil assim entender?  

Convenhamos que já são bem confusos os vocábulos que, usualmente, designavam os contrarrevolucionários, com todos os sentimentos por eles evocados – direitistas, conservadores, reacionários…e agora temos que lidar com bolsonarismo, seja lá o que isso signifique.

Pois bem, aceito as regras do jogo.

Se fomos encarcerados na trama indecifrável das narrativas poéticas, farei hoje meu próprio verso. Será um texto à brasileira, para chamar a atenção do leitor, diverti-lo, seduzi-lo. Denunciarei aqui um novo fenômeno, uma ideologia bem menor do que o bolsonarismo (viu? me rendi), mas com sua dose de importância no cenário político e social.

Eu estou falando do Zambellismo.

***

Na última semana, a deputada federal Carla Zambelli, fiel escudeira de Bolsonaro, deu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo que rendeu comentários e conjecturas na grande mídia e redes sociais. Como se não bastasse dar crédito ao veículo de imprensa que mais fez oposição ao governo que ela mesma integrou, Zambelli soltou uma série de frases dúbias que só alimentaram as acusações de golpismo contra o antigo mandatário.

Disse, por exemplo, que Bolsonaro tinha que ter pedido as pessoas para saírem de frente dos quartéis, referindo-se às manifestações pós-eleição daqueles que desconfiaram dos resultados das urnas (entre os quais, a própria, textualmente). Agora é pecado protestar, deputada? Que república é essa que pede ao povo para calar a sua boca? (Veja que nos Estados Unidos, uma democracia duzentos anos mais velha que a brasileira, quando Trump soube que havia sido derrotado nas eleições de 2020 por Joe Biden, ele mesmo acusou de fraude o sistema de apuração, contratando um advogado particular para colher provas e desmontar o suposto esquema. Freedom, meus amigos…).

Zambelli também confidenciou ao jornal ter recebido uma minuta golpista em seu gabinete, mas que não lembra quando nem sabe a autoria do documento. Um papel qualquer jogado por debaixo da porta, então pergunto: qual a relevância dessa informação? Por que ela foi entregue a um grande veículo de imprensa no momento em que o Supremo Tribunal Federal abre mais três inquéritos para investigar “atos extremistas” envolvendo as eleições?

Não é de hoje que Zambelli gera desconfiança entre os conservadores. Logo que assumiu o seu primeiro mandato, no início de 2019, a deputada viajou à China para ser apresentada a um novo sistema de reconhecimento facial que, no plano do partido comunista chinês, seria instalado nos aeroportos de todo o mundo. A visitinha ao país asiático, com uma finalidade tão descabida, levantou a fúria de Olavo de Carvalho, que publicou um vídeo, em suas redes sociais, desfazendo laços com Zambelli. Em troca, a deputada o acusou de não a ter apoiado nas eleições e de dar opinião sem viver no Brasil (…).

Outras polêmicas acompanharam os quatro anos de mandato de Zambelli no congresso nacional, mas nada que se compare ao episódio em que ela sacou uma arma, perseguiu e encurralou um jovem negro pelas ruas da capital paulista, em plena luz do dia, nas vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. Disse ter sido agredida e que apenas se defendeu, mas acabou entregando de bandeja, para a oposição, uma imagem forte, espécie de evidência da violência odienta imputada pela esquerda aos conservadores. Um erro político fatal para Bolsonaro.

Para todo episódio controverso, uma live, um pedido de desculpas e novas declarações de amor ao ex-presidente. Considerando a debandada de aliados políticos que marcou o tempo em que Bolsonaro esteve à frente do governo, especialmente daqueles mais liberais, “moderados” como João Doria, Henrique Mandetta, Joice Hasselmann, Bebianno, Witzel, Santos Cruz, Moro e toda a renca de meninos do MBL, é notável a fidelidade de Carla Zambelli. Bambeia, morde, depois assopra e volta para o clã.

Tarcísio de Freitas, ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro e atual governador do estado de São Paulo, também ameaçou entrar para o time de ex-aliados: tão logo venceu as eleições de 2022, deu um jeito de se desvincular do passado recente dizendo nunca ter sido bolsonarista raiz (percebam que a expressão, no fim das contas, não diz nada. Quem é Tarcísio sob a perspectiva cultural e ideológica? Não sabemos…). Dias depois o ex-ministro foi visto aos risos com Alexandre de Moraes, foto que gerou muitas críticas nos grupos conservadores mais fieis a Bolsonaro.

Mas como Tarcísio é pragmático e um tanto esperto, logo foi se retratar, declarando gratidão eterna ao ex-presidente e outros floreios persuasivos. Pela perspectiva da fantasia caricatural que contamina este texto, Tarcísio aderiu de vez ao zambellismo, o time dos que boicotam a máquina, mas não abandonam a fábrica.

***

O que leva um liberal positivista a se manter fiel ao bolsonarismo?

Ou melhor, para corrigir a distorção linguística que denuncio aqui: o que leva uma pessoa como Carla Zambelli ou Tarcísio de Freitas a se manter fiel ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo com indícios de amor não correspondido?

Não há como responder essa pergunta sem aprofundar nas dimensões psicológicas do fenômeno político, como já tenho feito, em relação aos fatos da cultura, nesta coluna semanal.

Prepare o café, compre logo o pão de queijo.

Continuaremos esta conversa na semana que vem.  

Direitos de imagem: https://www.flickr.com/photos/palaciodoplanalto/46655133654

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2 COMENTÁRIOS

  1. Para mim, apenas um termo define a Zambeli: Oportunismo.
    Ela ainda precisa do Bolsonaro, aprendeu com os erros da Joice e simulando fidelidade conseguiu desbancar o Dudu como deputada mais votada, tudo jogada de marketing, afinal, ela e o Dudu são pifios como deputados. Acredito que, logo, ela assumirá seu amante tucano. Uma delicia ler este texto, obrigada.

  2. A Zambelli é um mistério para mim. Gostei do termo “zambellismo”. Acho que tem alcance maior do que esse expresso na coluna.

    Muito me apraz o fato de a Zambelli ter conseguido eleitores suficientes para garantir-lhe mandatos. Penso que, se ela fosse depender de outros predicados para conseguir trabalho, seria bem complicado.

    Por favor, eu tenho zero votos (nem o meu tenho!). Ela é muito mais capaz eleitoralmente que eu, evidentemente. Ela sobrevive num ambiente em que eu não aguentaria dois minutos. Então, ela tem qualidades. Só não me peçam para explicar como ela consegue. Eu não sei.

    É esse mistério que eu chamaria de “zambellismo”.

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