ISRAEL SIMÕES丨Macho alfa no horário nobre

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Estava eu “zanzando” pela internet há alguns dias quando me aparece, longe do meu padrão algorítimico de conteúdo, uma propaganda da nova temporada do programa The Masked Singer Brasil, da Rede Globo. Para quem já não dá muita atenção à TV aberta, trata-se de um show musical com famosos mascarados cujo desafio é descobrir o dono da voz que canta.

Na imagem de divulgação, destaque para os jurados da nova temporada da competição: Ivete Sangalo, Mateus Solano, Eduardo Sterblitch, Taís Araujo e Sabrina Sato, com figurinos para carnavalesco nenhum botar defeito.

Confesso que demorei alguns segundos para processar tanta excentricidade. Ainda que combinasse com o tipo de entretenimento oferecido pelo programa, aquela imagem tinha algo de muito estranho. Não era tanto a trança de Lara Croft da senhora Ivete ou o vestido esburacado de Sabrina Sato (não sei descrever aquilo, deem um Google).

Era Mateus Solano. O ator, que ficou famoso pelo espalhafatoso personagem Félix, vilão da novela Amor à Vida, sempre carregou uma imagem sóbria na vida real. Em suas redes sociais, ele posta fotos de passeios em família bem no estilo paizão, daqueles que usam short jeans abaixo do joelho, meias brancas e sapatênis.

Para o The Masked Singer, no entanto, Solano surpreendeu ao aparecer de conjuntinho de  malha estampado e sombra azul nos olhos. Isso mesmo: maquiagem colorida, tipo menininhas do ensino fundamental. Um constrangimento.

Sterblitch não ficou por menos: para a estréia de The Masked usou brincos, contorno de olho, cabelo azul e uma espécie de kimono com decote em V. Menos surpreendente, é verdade, já que o ator tem o costume de exibir looks nessa nova pegada genderless (roupas sem gênero).

Agora bem diferente dos jurados do programa dominical são os participantes da nova temporada de Big Brother Brasil. Para o grande público que acompanha o reality diariamente, Boninho preparou um time de saradões descamisados: Gabriel, Cezar, Gustavo, Cristian, Antonio, Fred Nicácio, todos exibiam os músculos em suas redes sociais antes do reality, prometendo mais uma temporada de sungas brancas e ângulos indiscretos na casa cheia de câmeras do BBB.

O que você está testemunhando é mais um episódio de estimulação contraditória da indústria do entretenimento.

A estimulação contraditória é uma técnica de engenharia social que dispara comandos opostos a indivíduos docilmente dispostos a obedecê-los, desorientando suas defesas psicológicas e fazendo com que sutilmente passem a aceitar qualquer outro comando, mesmo que absurdo.

Enquanto oferecem doses homeopáticas de modernidade, as elites midiáticas não perdem a oportunidade de explorar os velhos instintos heteronormativos. Por que?

Porque macho alfa dá audiência.

Essa é a verdadeira distinção que importa aqui: enquanto The Masked Singer é um programinha tapa-buraco das tardes de domingo, o Big Brother Brasil é a maior audiência da TV brasileira. A Globo, consciente de que o povão não tem o menor interesse em lacração de gente fraca e vitimista, bota logo a galera maromba para se exibir no horário nobre enquanto cresce, paulatinamente, a cota de militância progressista nos programas de menor audiência.

Hollywood há muito faz o mesmo. Para a massa: super-heróis bombados, heroínas de colan e cabelo esvoaçante. Já nos filmes de menor orçamento sobra espaço para homens betha chorosos e mulheres acima do peso.

Aos poucos a balança se inverte sem que você perceba, mas não se engane: o objetivo principal não é atingir você. É mudar a cabeça dos seus filhos.

São as crianças e adolescentes os mais vulneráveis aos instrumentos de manipulação psicológica, já que não possuem padrões estéticos e morais estáveis o suficiente para resolver tais contradições. Uma vez que não distinguem o feio do bonito, ou o fraco do forte, dificilmente diferenciarão o certo do errado, o real do fictício, o opressor dos subservientes. É um jogo de poder na lógica confunda-enfraqueça-domine.

Fica a esperança de que o público tome mesmo gosto por essa coisa de desmascarar.

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1 COMENTÁRIO

  1. Meu comentário se perdeu. Eu havia dito que é bem por aí. O texto está ótimo!

    Agora, o que me incomoda mesmo é o fato de eu saber que esse tipo de ação é “quixotesca” (que Cervantes me perdoe!). É impossível que vençam. Porém, até perderem de fato, eles fazem um baita estrago!

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