VITOR MARCOLIN | Cinema e “Revolução”

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Tédio acachapante

Às vezes, caro leitor, é necessário parar a fim de verificar se estamos ainda no itinerário que traçamos desde o início, se não nos desviamos do caminho. Refiro-me, é claro, ao propósito desta coluna semanal, que, nas palavras da editora-chefe, ipsis litteris, deve ser um “diálogo com o leitor”; uma espécie de conversa sobre a atualidade na qual eu, o dono da pena, devo propor novas perspectivas, isto é, fugir – como o diabo da cruz – das narrativas prontas. E é claro que a proposta de novas perspectivas implica a recordação de velhas perspectivas, daquelas que foram suprimidas pelo discurso de algum “mente-aberta”.

A referência é fácil, eu sei: Chesterton. O príncipe do paradoxo é sempre lembrado quando estamos diante de uma bifurcação. E não porque qualquer caminho, indiscriminadamente, possa ser trilhado; mas porque o “mente-aberta” — devo dizer que as bifurcações são obras da malícia dessa gente — nunca consegue esconder completamente o caminho verdadeiro. Daí o mal-estar que uma flagrante situação tragicômica provoca, pois o mal feito é precisamente – e estrategicamente – incompleto, isto é, feito pela metade. O exemplo vem de um inocente e ordinário passeio ao shopping. “Inocente” talvez não, porque eu tinha a intenção de ir ao cinema; tinha a certeza de que veria porcaria. Mea culpa.

Que tipo de perversão psicológica penetrou impiedosamente na alma dos diretores e roteiristas dos filmes exibidos em cartaz atualmente, pergunto eu? A impressão geral, a gênese do nosso mal-estar, é que tudo o que os diretores querem fazer, a síntese mesma de suas obras, é a mais perfeita e gloriosa “revolução”. Evidentemente, nada importa se a coerência, a responsabilidade, o senso moral, o senso estético, a linguagem, a lucidez, a lógica, o amor-próprio e o amor ao próximo forem para o ralo. “A revolução compensa”, dizem eles; mas “compensa” para quem? 

O filme em questão — a bem da verdade não há um “filme em questão” — não interessa por dois motivos: ele era tão ruim, tão enfadonho, pueril e cansativo, que tenho vergonha – ou será asco? — de citá-lo; e, claro, porque o meu objetivo é comentar sobre aquilo que chamei de mal-estar relativo à realidade das produções cinematográficas estúpidas e estupidificantes. O panorama no qual a coisa localiza-se, portanto, é mais importante do que a coisa em si.

Não seria de todo incorreto se afirmássemos que a gênese do mal-estar não é outra coisa senão o tédio acachapante que os filmes provocam no público — e este cada vez menos exigente e, ipso facto, mais indiferente à estupidificação. Mas, note-se, o tédio é uma coisa complexa; não basta dizer que o filme é chato. Todo desinteresse é um desprendimento, um afastamento gradual em função de uma falta de aderência. Mas os filmes, ao menos aqueles produzidos para vender às massas, têm sim aderência; no entanto, não há assentimento da inteligência. O público paga para ver os efeitos especiais, para tomar susto, para se emocionar com um enredo fraco e para comer pipoca.

Mas não só. A coisa degringolou, tomou proporções mais complexas e preocupantes: o público, de tão habituado à passividade, à inércia da inteligência, à languidez do senso moral, agora paga para ver e ouvir reprimendas às suas convicções — já péssimas das pernas –, às suas crenças, aos seus “valores”, ao seu modo de vida, à sua família, à sua religião. Foi-se o tempo em que as pessoas iam ao cinema a fim de ver qualquer coisa edificante; e edificante, em resposta à implicância do leitor, quer dizer qualquer coisa presente na narrativa cinematográfica que fazia engordar o senso moral do público, a sua inteligência, a sua imaginação. Evidentemente, isto implica a correspondência do mundo interior do diretor e do roteirista com o mundo interior do público. Coisa que não existe, é claro.  

Nós vivemos num mundo de hiatos, de lacunas, de vácuos. São os espaços vazios entre as pessoas. As ideias nos novos fazedores de cinema, à semelhança das ideias das novas gerações de políticos, não tocam as ideias do povo. Pelo menos não a ponto de despertar a sua vontade para um bem e a sua inteligência para a verdade. E assim continuamos a comprar ingressos cada vez mais caros para filmes ruins. E compensa? Sim, mas somente àquela porção mais irracional e animal do nosso ser; aquela que não sente um pingo de remorso ou vergonha na cara em assistir às porcarias de sempre.

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