SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Zema, Patriotas, e a Direita

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Eu, Paulo Sanchotene, sinceramente não entendo isso


Teria Zema iniciado um movimento separatista com a criação do Cosud (Consórcio Sul-Sudeste)? Essa e outras questões são tema desta semana em que analiso a polêmica entrevista do governador mineiro ao Estadão.


Amigo meu me escreveu clamando para que escrevesse sobre o Zema e a polêmica do Cosud (Consórcio Sul-Sudeste). Queria saber minha opinião sobre o que ele disse e as repercussões. Me enviou perguntas.

Respondo as questões primeiro. Na segunda parte, analiso a entrevista por tópicos.

PARTE I – SECESSÃO DO BRASIL

I.1 Quanto ao Sulxit/Sudesxit, o que você acha?

O Cosud e a questão da secessão são coisas completamente diferentes. Associação por interesses comuns é absolutamente natural. Não há nenhum problema em si. Para tratar do Cosud, é preciso analisar as pautas e as agendas concretamente.

I.2 Tinha gente compartilhando mapa com uma linha separando o país, dizendo “Muro Já”

O pior de tudo é que esse negócio de separar, é só por causa dos últimos resultados eleitorais. Ou seja, o horizonte é reduzidíssimo. É ainda ESTRÁBICO. Afinal, Lula venceu na cidade de São Paulo. Por que excluí-la da conta?

Eu acho que é bobagem. Mas, indo adiante, ainda que para fins argumentativos somente, acho qualquer tentativa de secessão no Brasil absolutamente prejudicial a todo mundo. Mas pode ser pior principalmente para o Sul/Sudeste. Principalmente para São Paulo, diga-se.

Imagina os estados podendo mexer nas legislações trabalhista, tributária, sanitária, e o escambau… Poderia começar a ficar atraente a migração de empresas. Hoje, tudo isso favorece SP, em particular; e o SE/S, em geral.

I.3 Amigo meu disse que “não é liberdade permanecer numa união por força de armas”. Eu concordo. Mas o que nos une não é a ameaça de força.

Óbvio que não. Nós brasileiros nos enxergamos como brasileiros. Nós somos parte do Brasil. É isso que preserva a união.

Ademais, há uma falácia na afirmação. Um contrato precisa de anuência das partes. Um distrato é um contrato. Não basta a vontade individual de uma das partes. Vale no Direito Civil, mas, analogicamente, também na Ciência Política.

Não há um “direito de secessão”. É preciso convencer as outras partes que é bom separar. Se não conseguir esse convencimento por bem, pode-se tentar pela força. Meu estado já perdeu DUAS GUERRAS de secessão. Sei bem como é.

O RS é um “corpo estranho” no Império/União. Mas todos os países tem sua Escócia, seu Quebec, seu Texas, sua Austrália Ocidental. O Brasil não é diferente. E se separar, surgem outras partes estranhas. Não é, pois, por sermos estranhos que deixamos de ser brasileiros.

Acrescento que, se perdes a guerra, ainda assim, tu não estás “preso pela força das armas.” Tu estás preso por força de uma decisão anterior, sobre a qual tu tens responsabilidade.

Pode-se argumentar: “mas não fui eu quem decidi.” Não importa. Foi a pessoa jurídica que decidiu. Ela segue existindo. Tua responsabilidade é enquanto pessoa jurídica.


PARTE II – ENTREVISTA DO ZEMA

<<Zema deu a seguinte declaração numa entrevista: “Nós queremos – e nunca tivemos – o protagonismo político“. Ele disse isso enquanto governador do Estado que respondia pelo “leite” em “Política do Café com Leite”. Sendo que o outro Estado da equação, o “café”, é igualmente da mesma região. Imbecil do c@r@lh*. Perdão pela grosseria.>>

Li a entrevista no Estadão. Vejo boas intenções no Zema, mas ele está equivocado em certas bandeiras (na minha humilde opinião); ao menos, no discurso. Analizemos a entrevista por partes.

A. COSUD

A1. Busca de protagonismo

Isto está bem. Quem não quer? Política é negociação. Zema tenta fortalecer sua posição na mesa. Nada além. As outras partes na mesa fazem a mesma coisa. É tudo do jogo.

Não vejo Zema se apresentando como líder ou como iniciador de movimento separatista. Vejo alguém querendo defender os interesses de Minas (1) e da Direita (2).

Zema é pragmático, como de regra os políticos o são. Ele sente, mas não entende. Então, ele comete deslizes naturais. Mas muitas vezes é melhor alguém que faça ainda que sem saber por que, que alguém que entenda daquilo, mas que não consiga fazer.

A2. Reforma tributária

Afirma Zema: “Sul e Sudeste vão continuar com arrecadação maior do que recebem de volta.

Há um erro de premissa aqui. Os recursos da União são da União; não são dos estados. A União utiliza os recursos federais como entender melhor. Compete ao Congresso tratar disso. Se o Congresso não está fazendo como sudestinos e sulistas gostariam, o problema pode estar no Congresso.

A3. Representatividade no Senado

Zema aponta na direção correta, mas erra ABSURDAMENTE o alvo. O problema não é no Senado. O problema é na Câmara. Todos os estados terem o mesmo peso no Senado é JUSTO.

Aliás, a inexistência de senados ESTADUAIS é um problema. As regiões com poucas pessoas não podem ter apenas voz. Elas precisam ter peso. É preciso que as vozes sejam ouvidas. Isso não acontece nos estados. Ao menos, acontece na União. Aí querem atacar o que é justo; mas não o que é injusto! Não pode…

A fonte de injustiça é a regra de piso e teto representativo na Câmara. Essa é a causa da distorção. Não é o Senado!


B. DIREITA BRASILEIRA

B1. Eleição de 2022

Eu concordo com o Zema de que houve problema de comunicação. Mas o problema do Bolsonaro não era a comunicação pessoal dele, como Zema afirma.

Bolsonaro fora eleito sendo assim. Fez uma votação considerável na reeleição sendo assim. Tem público. Eu posso não ser, como o Zema tampouco é, parte desse público; mas não se pode ignorá-lo.

O erro do Bolsonaro foi crer que isso lhe era suficiente. Jamais seria. Não foi.

Se ele não fala para outros públicos, ele precisava de gente que fizesse. Ele não quis. Mais do que não atingir certos públicos, pior, ele gerava repulsa. E repulsa em quem poderia ficar do lado dele ou, ao menos, não ir para o outro lado. Era preciso ter outras caras. Ele não quis.

Agora, Zema parece cometer equívoco parecido. Só trocam-se os públicos.

B2. Direita

Zema afirma que por muito tempo era como se a Direita não existisse; havendo apenas pessoas isoladas. Era bem isso, mesmo. Agora, junto com a ascensão do Bolsonaro, passou a haver, sim, uma Direita.

Nisso, concordo. Mas de aí a afirmar que essa esteja organizada…

B3. Nomes Moderados da Direita

Zema acredita haver espaço para nomes moderados da Direita. Até pode ser, mas aí ele nomeia, como exemplos, Tarcísio e Eduardo Leite… Sinceramente, senti falta do Alckmin na lista!

Eu sei que posso estar aqui deixando de ser o Sanchotene-analista. Eu realmente tenho enorme rejeição a esse tipo de político. No entanto, acredito que se é para ficar citando perfis tucanos, já coloca todos – inclusive o do atual vice-presidente. Não faz diferença alguma apoiar ou não o Lula; como já não fazia de 2002 a 2014.

O ressurgimento da Direita e a ascensão do Bolsonaro mudaram o equilíbrio de forças políticas. Porém, Tarcísio e Leite jogam segundo à regra antiga. Eles querem o voto da Direita por força gravitacional. Já Alckmin perdeu espaço no PSDB e eeve que achar rumo próprio.

Em comum, os 3 têm dificuldade de encontrar espaço no atual cenário. Agora, aparentemente, está tudo bem. Mas isso se dá muito mais pelos erros de Bolsonaro (e, p.e., do Onyx) que por acertos deles.

Onyx elegou o Leite. Foi cabo eleitoral do governador. Impressionante. Bolsonaro não sabe organizar um partido, formar alianças, organizar eleições. Se fez tudo certo em 2018, e fez, cresce minha impressão de ter sido por mais acidente e menos por talento.

Contudo, Zema não parece entender o cenário. Essas alternativas não são alternativas.

B4. Auto-Definição

Quando perguntado sobre como se define, Zema se sai bem, apesar de abusar de lugares-comuns. Ao menos, foi categórico ao se colocar como de Direita. Isso é importante.

B5. Esquerda

Boa resposta, a do Zema, sobre a Esquerda. A pergunta é, de fato, uma afirmação: “O senhor vê algo positivo no que Bolsonaro enxergava um demônio.” Zema educadamente aponta por que concorda com Bolsonaro…

B6. Presidência

Zema diz não desejar concorrer se for “para ser um presidente cheio de amarras que não consegue fazer nada…” Pode-se, concluir, com isso, que Zema não será candidato.

Afinal, as amarras estarão firmes em 2026. Se ele concorrer, será o Senado, possivelmente. Gostei da resposta. Ele realmente não tem perfil para exercer o cargo no momento. Ele quer conciliação em pleno tiroteio. Não tem como…

B7. “Nunca Tivemos Protagonismo”

Entendi o “nunca” como sendo da perspectiva pessoal dele. Não seria uma referência histórica, mas uma hipérbole. “Nós, atuais governadores do Sudeste e do Sul, queremos – e nunca tivemos – protagonismo político“.

O principal problema da forma como ele disse o que disse é fomentar a ideia de que o Sul e Sudeste seriam superiores a outras regiões; mas não vi isso como algo intencional. Me parece um acidente pela frase mal formulada. Ele se explica na entrevista, inclusive; mas a explicação nunca tem o mesmo peso.

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