SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Sendo Cassandra

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Todos temos algo de Cassandra. Não sou exceção.


Cassandra foi condenada a prever o futuro sem que ninguém fosse capaz de acreditar nela. Já fui Cassandra. Isso, porém, não é problema. O problema é a credibilidade intacta de quem nunca acerta coisa alguma, só por falar aquilo que o ouvinte gostaria que acontecesse. Nesta semana, relato dois casos meus.


Terça-feira, 10 de Segumbro de 524

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Nem sempre estou certo, mas já tive os meus momentos. Todavia, invariavelmente, nessas horas, fui vítima da “Síndrome de Cassandra”. E o pacote é sempre completo. Além de ser de ser desacreditado na hora; mesmo depois de comprovado o fato de que eu estara certo, nada mudou.

Cassandra é um personagem da mitologia grega. Apesar de dotada do poder de profecia, foi condenada por Apolo a jamais ter credibilidade. Pois é assim que acontece. ¿Sabeis quem tem e mantém credibilidade? Quem estava errado. É aqui que reside o real problema.

Dois exemplos recentes foram as últimas eleições americanas (2020) e brasileiras (2022). Pode-se argumentar se sou o bom ou não nessas áreas, mas Política e Direito são “a minha praia”. Até posso dizer bobagens, mas ao menos me credenciei para dizê-las.

Foram essas credenciais que, em 2020, me levaram a ser convidado a participar de uma laive no Youtube para falar sobre os desdobramentos da eleição presidencial americana após a apuração dos votos. Trump havia se recusado a reconhecer a derrota e tentava buscar na Justiça uma alteração dos resultados.

Se eu soubesse de antemão que deveria afirmar que Biden não tomaria posse, teria recusado o convite. Causei um mal-estar no programa ao dizer que as ações do Trump dariam em nada. Até um convidado extra apareceu de repente para me contradizer. Nos comentários, depois descobri, fui xingado a torto e a direito; inclusive de “argentino comunista” [seguramente a pior coisa que já me chamaram na vida].

Dois anos depois, Lula vence a eleição no Brasil. Concidadãos acampam diante de quartéis na esperança de que Lula não tomaria posse. Dessa vez não fui convidado para falar de nada. [Até fui, mas para uma TV colombiana; não vem ao caso.] Usei este espaço aqui, redes sociais, e grupos de mensagens para afirmar que tais ações seriam infrutíferas; até mesmo, prejudiciais.

Fiz isso consciente das reações. Sabia que era algo desagradável. Porém, entendia ser necessário. Novamente, fui criticado e até xingado. Até aí, tudo bem. É do jogo. O problema aqui é outro.

Sabemos hoje que Biden e Lula tomaram posse. No Brasil, há pessoas presas pelo que fizeram pelo que descambou no 8/1 de 2023, e a Direita está quase que de volta na clandestinidade. Se ainda não está totalmente, isso é apesar da vontade das autoridades. Nada disso deveria ser surpresa. É a seqüência natural dos acontecimentos; ainda que, tirando as posses, esses poderiam ter sido evitados.

No entanto, mesmo diante dos fatos, as pessoas que afirmavam o contrário seguem reconhecidas como oráculos. Já aqueles como eu, nós permanecemos indignos de qualquer confiança. A premissa [falaciosa] latente aqui é ser impossível fazer qualquer afirmação que seja contrária aos próprios desejos. Essa é a razão.

Se alguém fala que “‘A’ acontecerá”, só pode ser por querer que ‘A’ aconteça. Ninguém são preveria algo apenas por crer que tal algo ocorrerá de fato. Nah… Isso é loucura. Se falou algo que não quero, logo “não é dos nossos”; e isso atualmente é mais relevante do que a verdade. Bom é aquele que diz o que quero ouvir, mesmo que se revele falso logo adiante.

Enquanto o auto-engano for a regra, o atual estado-de-coisas tende a seguir como está ou se agravar. Digo isso ciente de que, tal como com Cassandra, ninguém levará em consideração.

3 COMENTÁRIOS

  1. Há uma versão da Cassandra que conta que ela levava a pergunta ao deus,mas que às vezes ele achava a pergunta tola e não respondia!Então Cassandra dava a resposta que o próprio consulente poderia encontrar se usasse o bom senso com o qual tinha nascido.

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