SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Sobre Direita e Esquerda

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

As eleições de 2022 mostram um Brasil polarizado; dividido entre Direita e Esquerda. Excelente!

Digo “excelente” mesmo ciente das críticas à Direita brasileira por parte da própria Direita. Algumas dessas, inclusive, eu recebi em resposta à coluna da semana passada (“Eleições 2022: uma boa notícia”). O argumento é de que essa não teria atingido um bom nível de adequação.

[Escrevi o parágrafo acima e comecei a rir imaginando a reação de alguém de Esquerda o lendo!
“Como assim, inadequada? Até onde querem que a Direita vá?!”
A esse leitor, agradeço a visita e peço paciência. É para tudo esclarecer-se adiante. Assim, ao menos, o espero.]

A Direita brasileira atualmente é essa que aí está; com todos os seus problemas e limitações. Por bastante tempo, a liderança do papel foi reservada ao PSDB. Não mais! Avançamos. Os tucanos queriam os votos, mas agir em favor do eleitorado, aí já era demais para eles.

Uma Direita que sonha em ser Esquerda é completamente inadequada. A situação era insustentável. Felizmente, desde o pleito municipal de 2016, a realidade mudou. A Direita pode não ter chegado ao nível que deve, mas isso não muda o fato de estarmos avançando nesse processo. Ao menos, já temos uma Direita que não tem vergonha de si. Isso é, em si, excelente.

Contudo, é preciso deixar a Direita brasileira para outro dia. Não há como entrar nesse ponto agora.

INTRODUÇÃO: “DIREITA” E “ESQUERDA” NA POLÍTICA

Para falar da Direita brasileira, primeiro, temos que entender o que são “Direita” e “Esquerda”. Há quem não goste de usar tais termos. Eu uso; e uso porque se usa. São termos comuns na linguagem cotidiana ao se falar de política. Não vejo problemas em adotá-los. Os problemas começam quando tentamos defini-los.

I. INFINIDADE DE SIGNIFICADOS

Falamos em “Direita” e “Esquerda” na política como se entendêssemos o que significam. Todavia, quando se pergunta sobre o sentido político dessas palavras, obtém-se praticamente a mesma quantidade de respostas diferentes quanto forem as pessoas questionadas.

Isso não é por acaso, mas decorre da própria natureza dessas “etiquetas”. Não há uma definição substancial de “Direita” e “Esquerda” que sirva para todos os lugares e momentos. O que “Direita” e “Esquerda” representam é dado pelo contexto; variando constantemente no espaço e no tempo.

As pessoas definem politicamente tais termos conforme suas perspectivas, as quais estão inseridas nas circunstâncias em que vivem. Eu não sou livre disso. Também tenho minha opinião sobre o que seriam “Direita” e “Esquerda” políticas – na prática, atualmente, no Brasil e, quiçá, noutros lugares do mundo.

Porém, essa minha opinião diria mais sobre mim do que propriamente sobre a Direita e sobre a Esquerda. Não é sobre mim que quero falar hoje. Afinal, este texto não é sobre o autor, mas sobre “Direita” e “Esquerda” na política.

II. DIREITA É “OPOSTO DE ESQUERDA”

Tecnicamente, “Direita” e “Esquerda” nada mais seriam que papéis dentro do teatro político. Sempre haverá “Direita” e “Esquerda”, pois sempre haverá disputa de poder entre forças opostas e antagônicas.

As forças políticas na disputa de poder tendem a ser duas. Uma será “governo”; a outra, “oposição”. Por razões históricas, essas forças opostas acabaram sendo conhecidas por “Direita” e “Esquerda”; mas podem ter quaisquer outros nomes.

Em resumo, é só isso. Nada mais.

Portanto, “Direita” e “Esquerda” podem significar politicamente qualquer coisa, pois não têm uma natureza própria; não existem em si mesmas. O que são depende do contexto político, social, e cultural em que atuam como forças opositoras na disputa de poder.

O uso desses termos na política é pertinente, pois “Direita” e “Esquerda” em geral tampouco têm natureza própria; não existem em si mesmas. Essas variam conforme a perspectiva e são definidas apenas em oposição uma a outra. Direita só faz sentido como contrário de Esquerda, e vice-versa.

Na política, também é assim. Uma sociedade precisa de ambos os lados.

III. REPRESENTAÇÃO E ADEQUAÇÃO

O tema não se encerra aqui. Ao contextualizarmos “Direita” e “Esquerda” considerando-as como papéis dentro do teatro político, novas questões surgem. Se são papéis, é possível julgar a atuação dos atores no exercício desses.

Podemos saber se os lados agem adequadamente ao que se espera deles. A medida da boa atuação é dada pela adequação da força política à função que exerce na peça (ou no jogo). Nesse contexto, as forças devem ser representativas de toda a parcela da sociedade a qual servem. Se o forem, serão adequadas; e o papel estará sendo bem exercido.

Frise-se, “bem” e “mal”, aqui, são desprovidos de conteúdo moral. A moral é relevante, mas não agora. Essa será tratada abaixo. O que interessa no momento é adequação.

O paralelo aqui é o “bom vilão” de qualquer história. Um vilão é considerado “bom” justamente por ser mal, antagonizando com o herói. Há uma adequação do personagem à função. Igualmente, um ator será um “bom vilão” se for convincente no papel. Há uma adequação da atuação ao papel. Na política, é semelhante.

IV. CULTURA: O FUNDAMENTO MORAL

A adequação, no entanto, é insuficiente. Política não pode ser uma disputa entre “bem” e “mal”. Os lados em oposição não se dividem assim. A sociedade é uma só. Um indivíduo não tem um lado que realiza bondades e outro que realiza maldades. Quando uma pessoa age bem ou mal, ela age por inteiro. Isso vale para pessoas individuais ou coletivas.

Além de adequadas, as forças políticas podem (melhor, devem!) ser sadias. Contudo, essa sanidade não é dada pelo jogo político da disputa de poder. A qualidade dos lados é uma questão cultural.

As forças políticas podem agir contra ou a favor a sociedade em que atuam. Isso depende do arcabouço cultural que permeia a comunidade cujos cidadãos formam o eleitorado e provêm as lideranças políticas para as forças em disputa pelo poder. A cultura é, pois, a fonte da qualidade da política.

[Eis o motivo de a Revista Esmeril ser uma revista de cultura. É pela cultura que se aprimora a política!]

Essa cultura precisa fazer com que a sociedade: almeje constantemente conhecer e entender a si mesma; e permaneça disposta a aceitar e abraçar a política como o meio para o seu desenvolvimento comunitário e busca do Bem Comum. Infelizmente, é nesse ponto que o Brasil está mais atrasado.

Há uma questão civilizacional, o problema não é apenas nosso; mas temos entraves particulares também para tratar. Por outro lado, o tratamento não apenas ajudaria a aprimorar a qualidade da Direita, mas também da Esquerda.

CONCLUSÃO: A MEDIDA DA BOA POLÍTICA

Para sabermos se estamos no caminho certo, é preciso saber reconhecer os resultados. A medida da boa política está em seus efeitos.

No âmbito da disputa de poder, esse aprimoramento da qualidade pode muito bem passar despercebido. Os lados continuarão em eterno conflito e publicamente manifestando mútuos desdém, desconfiança, desagravo, e pavor. Se procurarmos aí a qualidade, é possível que não a encontremos.

A boa política não é feita de mãos dadas, por decisões unânimes, e com todos felizes, satisfeitos, e realizados. Política de qualidade é polarizada. É feita de atritos, por acordos efêmeros conquistados a duras penas, e com todos insatisfeitos, desejosos em rediscutir tudo de novo, ao mesmo tempo em que cantam vitória aos seus eleitores.

O conflito pode ser feio, sujo, quente, e pesado; como normalmente é. Não importa. O que importa é isto:

– os lados devem agir como reconhecendo a legitimidade do opositor e das regras do jogo;
– a comunidade deve sentir-se representada adequadamente por ambos os lados;
– o jogo deve continuar com o resultado em aberto para todos; e
– a harmonia, a ordem, e a paz públicas devem ser reforçadas.

Havendo isso, a conclusão deve ser de uma sociedade saudável, com uma Direita e uma Esquerda que cumprem seus papéis adequadamente e em prol do Bem Comum.

2 COMENTÁRIOS

  1. desculpe, Paulinho, mas enquanto a dita esquerda estiver associada à cultura comunista, a última coisa possível será uma sociedade saudável, e bem comum seguirá sendo expressão excluída do vocabulário político vigente.

    • É onde entra a questão cultural, Bruna. É preciso fomentar a philia política até que essa se torne a regra. Excluí-los não é uma hipótese.

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