SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | O Humor salvará o Brasil – parte II

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Se a beleza salvará o mundo, o humor salvará o Brasil.” (Bruna Torlay)


NOTA:
Ontem, a Bruna Torlay escreveu na sua coluna um texto chamado “O Humor salvará o Brasil“. Este aqui, por ser uma continuidade àquele, é “Parte 2”.

Contudo, há outra razão para ser “2”. Seguem-se abaixo DOIS textos: o primeiro não é inédito (fora publicado aqui na Esmeril em julho de 2020), mas é direto sobre o assunto tratado pela Bruna; já o segundo, inédito, versa sobre a zoeira (ou deboche), tema que a Bruna também menciona na coluna dela.


O BRASIL PRECISA DE FALTA DE SERIEDADE

Precisava falar com um amigo, e ele estava na espera do médico. O assunto não levou 15 segundos para ser tratado, mas o papo, como de costume, se alongou e descambou para um festival de bobagens. Lá pelas tantas, ele comenta algo assim:

– Se o brasileiro usasse a criatividade para resolver problemas, ao invés de fazer piadas, o país não estaria neste buraco.

Como convém quando conversamos, fui obrigado a contestá-lo. Afinal, fazer piadas é a melhor maneira de resolver problemas. Seguindo o script dos nossos encontros, ele retrucou. Trouxe o fato de países com povos bem-humorados normalmente serem cheios de questões sócio-econômicas graves. E me desafiou:

– Qual seria a solução? Colocar o Tiririca no Congresso?

Respondi-lhe que não vejo problema algum ter palhaços no Congresso. Nossos líderes políticos e nossos burocratas carecem de humor. Infelizmente, são pessoas que se levam a sério demais; e é nessa seriedade que reside o problema. Meu amigo ouviu isso, gostou, e disse:

– Bah! Isso daria uma tese, não? O humor na política… Precisamos escrever sobre isso.

A idéia dele é boa, mas o trabalho não poderia ser só sobre isso. Uma tese teria que falar também do deboche no espaço público — o que não deixa de ser humor na política; apenas trataria política de modo mais amplo. Disse-lhe que se fôssemos escrever (ou quando fôssemos escrever) meu título para tal estudo seria “As Virtudes da Falta de Seriedade”.

– Mas aí não correríamos o risco de sermos mal recepcionados?

Esse meu amigo é um eterno otimista. Desde quando nós somos bem recepcionados?! Nosso histórico é um festival de mal-entendidos, de bolas-foras, de coisas ditas e feitas fora de hora, fora de lugar, fora de tom… É evidente que nos tornamos amigos, e é evidente que um trabalho desses será mal compreendido.

Afinal, como saber se um trabalho desses é sério ou não é sério, ou o que, dentro do trabalho, seria sério e o que não seria sério? A chave-de-leitura estaria na epígrafe. O trabalho já tem título e epígrafe!

– Está quase pronto!

Na verdade, ainda falta muito; o que é bom — desculpa perfeita para mais conversas. Até por isso que o trabalho, acho, nunca ficará pronto… Pelo menos, já tem tema, título e epígrafe. A frase que abriria o estudo seria: “O contrário de ‘engraçado’ não é ‘sério’, mas ‘sem-graça’.” (G.K. Chesterton)

A frase, aliás, é muito melhor em português do que no original em inglês. Afinal, “engraçado” significa “estar tomado de graça”; o oposto de “sem-graça”. O bom humor é inspirado; é divino. Nada pode ser mais sério do que isso.

Espero que a consulta do meu amigo no médico não demore muito…

(Uruguaiana, 20.12.2016)


ZOEIRA: O DEBOCHE COMO VIRTUDE ou BRASIL: FILHO DE HERMES (MERCÚRIO)

Ela é, de fato, libertadora em qualquer tempo e lugar. Porém, se ela mostra-se revolucionária para outros povos, deveria ser fato público e notório que, no Brasil, não há nada mais conservador que a zoeira.

A zoeira gradativamente tornou-se o lubrificador social no Brasil, o elemento unificador nacional, a forma de relação entre as pessoas, grupos sociais e instituições estatais e particulares, nosso elo de amizade, a expressão da nossa liberdade. Exemplos abundam (com trocadilho). Levar-se muito a sério pode até ser algo bem gaúcho, os argentinos estão aí para não me deixar mentir, mas é a atitude mais anti-brasileira possível.

No nosso país, por mais paradoxal que seja aos não-iniciados, não há possibilidade de ordem política sem zoeira. A experiência brasileira é demonstrativa que uma comunidade política, como qualquer outra, tem por base a amizade. Afinal, a zoeira só é possível entre amigos. A ordem política brasileira é dependente do bom exercício da zoeira. Até porque, sem ordem, a zoeira perde o sentido.

Polidez e cortesia são ferramentas para tratar com pessoas desconhecidas, quando não há intimidade. São formas de se demonstrar distanciamento social. Por outro lado, é através do deboche que amigos verdadeiros se tratam mutuamente. A zoeira, portanto, é um sinal de aproximação, de amizade, e de amor.

Sentir-se ofendido pelo deboche é uma maneira de dizer: “Não sou seu amigo.” Tal ato, essencialmente anti-brasileiro, é uma manifestação do pior dos pecados políticos.

O deboche público promove virtudes. É igualitário; significa “tu és igual a mim”.

Como convite para a retribuição debochada, é capaz tanto de promover humildade, naqueles em posição social superior, quanto de promover coragem, naqueles em posição social inferior. O deboche, pois, tem o poder de rebaixar quem esteja inebriado pela vaidade e de elevar quem esteja soterrado em auto-depreciação.

Entre Apolo e Dionísio, o Brasil é melhor descrito por Hermes: o deus dos pastores e dos ladrões, dos túmulos e dos mensageiros, antigo deus da fertilidade; transgressor e preservador dos limites. O deus grego da zoeira.

Nesta época em que celebramos nossa secessão do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, proponho um brinde: ‘A Hermes!’

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