PAULO SANCHOTENE | O Brasil precisa de falta de seriedade

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Precisava falar com um amigo, e ele estava na espera do médico. O assunto não levou 15 segundos para ser tratado, mas o papo, como de costume, se alongou e descambou para um festival de bobagens. Lá pelas tantas, ele comenta algo assim:

– Se o brasileiro usasse a criatividade para resolver problemas, ao invés de fazer piadas, o país não estaria neste buraco.

Como convém quando conversamos, fui obrigado a contestá-lo. Afinal, fazer piadas é a melhor maneira de resolver problemas. Seguindo o script dos nossos encontros, ele retrucou. Trouxe o fato de países com povos bem-humorados normalmente serem cheios de questões sócio-econômicas graves. E me desafiou:

– Qual seria a solução? Colocar o Tiririca no Congresso?

Respondi-lhe que não vejo problema algum ter palhaços no Congresso. Nossos líderes políticos e nossos burocratas carecem de humor. Infelizmente, são pessoas que se levam a sério demais; e é nessa seriedade que reside o problema. Meu amigo ouviu isso, gostou, e disse:

– Bah! Isso daria uma tese, não? O humor na política… Precisamos escrever sobre isso.

A idéia dele é boa, mas o trabalho não poderia ser só sobre isso. Uma tese teria que falar também do deboche no espaço público — o que não deixa de ser humor na política; apenas trataria política de modo mais amplo. Disse-lhe que se fôssemos escrever (ou quando fôssemos escrever) meu título para tal estudo seria “As Virtudes da Falta de Seriedade”.

– Mas aí não correríamos o risco de sermos mal recepcionados?

Esse meu amigo é um eterno otimista. Desde quando nós somos bem recepcionados?! Nosso histórico é um festival de mal-entendidos, de bolas-foras, de coisas ditas e feitas fora de hora, fora de lugar, fora de tom… É evidente que nos tornamos amigos, e é evidente que um trabalho desses será mal compreendido. Afinal, como saber se um trabalho desses é sério ou não é sério, ou o que, dentro do trabalho, seria sério e o que não seria sério? A chave-de-leitura estaria na epígrafe. O trabalho já tem título e epígrafe!

– Está quase pronto!

Na verdade, ainda falta muito; o que é bom — desculpa perfeita para mais conversas. Até por isso que o trabalho, acho, nunca ficará pronto… Pelo menos, já tem tema, título e epígrafe. A frase que abriria o estudo seria: “O contrário de ‘engraçado’ não é ‘sério’, mas ‘sem-graça’.” (G.K. Chesterton)

A frase, aliás, é muito melhor em português do que no original em inglês. Afinal, “engraçado” significa “estar tomado de graça”; o oposto de “sem-graça”. O bom humor é inspirado; é divino. Nada pode ser mais sério do que isso.

Espero que a consulta do meu amigo no médico não demore muito…

(Uruguaiana, 20.12.2016)

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