SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Do Contra fala de Gnosticismo

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Pode-se cometer sincericídio com roleta russa?


Bruna Torlay fez um belíssimo vídeo sobre Voegelin e Gnosticismo no Youtube. Assistindo-o, só me vinha a cabeça que Voegelin rejeitara esse foco sobre Gnosticismo como fundamento da Modernidade. Tive que checar. De fato, é isso, mesmo. Fiquei obrigado a escrever uma réplica ao vídeo.


Do Contra voltou; e voltou de novo para responder à Bruna Torlay. Juro que não é implicância. Desta vez, ela falou de um tema o qual eu tenho certo conhecimento, e me senti compelido a apresentar algumas ressalvas. Vale a pena assistir o vídeo dela: GNOSTICISMO e suas derivações modernas. Talvez, valha a pena assisti-lo antes de continuar com a leitura aqui.

Eric Voegelin é um filósofo complexo. Para começar, ele tinha grandes reservas quanto aos voegelinianos. Eu sou voegeliniano. Como tal, preciso manter sempre em mente a opinião de Voegelin sobre isso. Essa regra vale também para os demais voegelinianos.

Voegelin também tinha a tendência de abandonar seus trabalhos anteriores, como quem diz: “Ninguém me entendeu. Tenho que explicar tudo de novo.

Fez isso com História das Ideias Políticas, que a Bruna menciona, antes mesmo de as pessoas lerem o material, pois estava convicto de que seria mal compreendido. Fez, depois, de novo, com Ordem e História, a obra que escrevera para substituir a História das Ideias Políticas. O volume IV, Era Ecumênica, afasta-se do projeto inicial muito porque a recepção aos 3 primeiros volumes fora insatisfatória.

Não é surpresa, pois, que Voegelin tenha se sentido compelido a revisar o que dissera em A Nova Ciência da Política, principalmente no que escrevera sobre a relação entre Gnosticismo e Modernidade.

Qual era o problema de Voegelin com os voegelinianos e as interpretações de suas obras?

Voegelin detestava que concordassem com ele. Melhor dizendo, ele não gostava que tomassem suas obras como “a chave” para entender o que quer que fosse. Mais importante do que suas conclusões, eram as perguntas que tentava responder e os métodos de análise empregados para alcançar as respostas. Em suma, Voegelin queria que seus discípulos filosofassem, ao invés de puxarem-lhe o saco.

A Bruna é filósofa e não é chegada em puxassaquismos. No vídeo, no entanto, ela se empolga com o trabalho de Voegelin um pouco além da conta. Por isso, resolvi escrever sobre isso hoje.

Voegelin não fazia tais mudanças apenas para conter eventuais dogmatizações de suas obras. Outro problema que o levava a tais atitudes é a mudança nas circunstâncias. Novos materiais surgem. Novos estudos ocorrem. O ambiente acadêmico se altera. E, com isso, aquilo que fora dito precisa ser readequado, tanto para se ajustar aos conhecimentos recentes quanto para o novo público.

Por exemplo, Voegelin comenta, em 1971, o seguinte sobre o A Nova Ciência da Política:

Deixem-me primeiro refletir sobre a segunda parte, porque depois posso lidar com isso mais longamente. Aqui a dogmatização que ocorre quando um livro é publicado foi quiçá mais perigosa que na outra situação [a primeira parte], a qual não atraiu tanta atenção. Porque imediatamente o problema da gnose como característica das ideias políticas modernas… foi absolutizado, e todos os dias enfrento questões do tipo: ‘seria o governo russo, por exemplo, um governo gnóstico?’ Claro que as coisas não são assim tão simples. Gnose é um elemento no composto moderno, mas há outros elementos dos quais podemos tratar posteriormente, como, por exemplo, as tradições apocalípticas e as experiências e simbolizações neoplatônicas. Logo, gnose não é alguma panacéia para lidar com a modernidade. Há outros problemas além da gnose no pensamento politico moderno.”[1]

Extraí o trecho acima de um texto que aprofunda os pontos que faço aqui, bem como outros levantados no vídeo da Bruna, do qual recomendo a leitura: Gnosticism and Modernity: Voegelin’s Reconsiderations Twenty Years after The New Science of Politics – escrito por Stephen A. McKnight, professor emérito de História na Universidade da Florida, e publicado no principal saite voegeliniano que conheço: o Voegelin View.

Nota:

1. No original: “Let me first reflect back on the second part because later I can deal with it more extensively [deal more extensively with the analysis of modernity. He does not deal further with Gnosticism.]. Here the dogmatization which sets in whenever a book is published was perhaps more dangerous than in the other situation [the first part dealing with classical philosophy and Christian political philosophy], which did not attract so much attention. Because immediately the problem of gnosis as characteristic of modern political ideas . . . was absolutized and everyday I get questions of this kind: is, for instance, the Russian government a Gnostic government? Of course things are not that simple. Gnosis is one element in the modern compound, but there are other elements of which we can talk later, for instance, the apocalyptic traditions and Neoplatonic experiences and symbolizations. So gnosis is not some panacea for dealing with modernity. There are other problems besides gnosis in modern political thought.”

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor