SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Deuses e Churrasco, Santos e Espuma de Barbear

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

“Os gregos já ensinavam que o churrasco é divino!”


Há algo de solene em tudo que se faz. Isso vale para desde escovar os dentes, até preencher o formulário do Imposto de Renda, passando pelo convívio com os vizinhos no elevador, beber cerveja, trabalhar etc.

Concluí tudo isso numa conversa com a minha esposa. Mas só porque estava dedicado ao papo…


Minha esposa é a minha melhor parceira de conversas. Invariavelmente, ela e eu temos pontos de concordâncias e de discordâncias. As diferenças normalmente estão nos detalhes.  Porém, não são papos simples. Os detalhes importam.

Esses dias, estávamos conversando sobre cultura, tradição, mitologia, ritualística, mindfulness, e o significado de carpe diem. Percebemos que essas coisas todas têm relação uma com a outra.

A conversa pode parecer maluca, mas fez bastante sentido. Contar-vos-ei isso a partir da minha perspectiva. Se ela quiser comentar depois, eu coloco na seção de comentários abaixo.

Lembramos de duas lendas: uma, do pão de família; outra, do gato de meditação. O pão de família era uma receita passada de geração em geração, e tinha a peculiaridade de as pontas da massa serem cortadas antes de ir para o forno. Não se podia ir sem que as pontas fossem cortadas. Até que um dia, um bisneto resolveu perguntar para a bisavó por que as pontas eram cortadas:

– Porque no forno que a gente tinha, há muito tempo atrás, a massa não cabia no forno. Era necessário cortar as pontas.

O gato de meditação era o gato de estimação de um mestre zen. Quando ia meditar, um gato sempre aparecia. Então, ele resolveu construir uma casinha para entreter o gato. Outros monges viram e foram atrás de gatos para si; e passaram a ensinar os pupilos que os gatos eram fundamentais para a meditação.

Ambas as histórias nos ensinam dos perigos de se tomar o acidente pela essência. Não é que seja proibido ou até ridículo cortar as pontas da massa ou ter um gato de meditação, pode-se adotar ambos tranquilamente. Mas é preciso fazer isso sabendo o porquê. Não é por serem essenciais à coisa, mas por acrescentarem uma particularidade, uma identidade ao grupo. “Nós fazemos assim.

Quando percebemos a essência da coisa, podemos identificar semelhanças com o que é diferente. Por trás das diferenças acidentais, pode haver uma essência comum naquilo que se faz.

Outrossim, fazemos as coisas por um propósito. Eu tropeço nessa diversas vezes. Tudo o que a gente faz tem um motivo. Esse motivo é da essência da ação.

A lição do carpe diem (“aproveita o dia”) é justamente essa. O mindfulness prega que devemos estar plenamente no agora. É a mesma coisa. Devemos agir segundo o propósito da ação a qual é exigida naquela circunstância.

Isso vale para desde escovar os dentes, até preencher o formulário do Imposto de Renda, passando pelo convívio com os vizinhos no elevador, namorar com a pessoa amada, fazer refeição em família, assistir jogo do time favorito, se exercitar, descansar, beber cerveja, trabalhar, etc. Todas as ações merecem a nossa devida atenção.

Há algo de solene em tudo que se faz, e isso necessita ser devidamente observado. É preciso agir em vista do Fim Último; Àquilo que dá sentido a tudo que se faz. Nossas ações precisam integrar a nossa cultura.

Um dos mitos de Prometeu conta como ele teria enganado a Zeus quando da divisão das partes do gado entre os deuses e os homens. Zeus escolheu a gordura e os ossos, deixando a carne e o couro para os humanos. Dentre os diversos ensinamentos desse mito, está o fato de fazermos um assado não apenas para nós. É preciso dar a Deus aquilo que Lhe compete.

O churrasco de domingo não é nem pode ser um ato aleatório. Se é parte da cultura, é preciso reconhecer a solenidade de tal ato. Não pode ser feito de qualquer jeito, desatentamente, com a cabeça noutra coisa.

Como Prometeu nos mostra, os deuses não pedem muito. A santidade não preza feitos necessariamente grandiosos. Encontra-se o Caminho inclusive num ato trivial como o de fazer a barba (algo que não faço desde quinta-feira, aliás). Basta que estejamos dispostos a trilhá-Lo.

3 COMENTÁRIOS

  1. A esposa leu e comentou algo assim:

    “Gostei, mas… A história do pão não é lenda. Mudaste a história do mestre zen. Cuidado! Essas imprecisões tiram a legitimidade do argumento; prejudicam a confiabilidade do autor.”

    Achei importante compartilhar isso publicamente.

  2. Caro senhor De La Pança, gostei muito do seu texto, no entanto, falar em gato depois do IR que me fez lembrar do leão, depois de uma anta e de um molusco. Resultado, fiquei com o corpo todo empolado, é que os três últimos me causam alergia só em pensar.
    Só para descontrair, não me queira mal.

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