ISRAEL SIMÕES | Sheherazade está de volta

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Eu sei que você já ouviu falar de Rachel Sheherazade. A jornalista que ficou famosa pelas opiniões contundentes, lá no interior da Paraíba, há mais de 10 anos, chamou a atenção de Silvio Santos, virou âncora do principal jornal do SBT e causou. Especialmente um comentário sobre um jovem bandido capturado e amarrado a um poste pela população do Rio de Janeiro, em 2014, virou pauta de conversa de boteco: em apenas um minuto, Rachel defendeu, com eloquência exemplar, o combate ao crime, a liberação do porte de armas, a legítima defesa e ainda provocou a esquerda lançando a campanha “adote um bandido”. A partir dali Sheherazade virou a musa da direita e aproveitou da plataforma para levantar diversas outras pautas, até então, silenciadas pela grande mídia, como a indústria do aborto e a redução da maioridade penal.

Pois bem. Há tempos Sheherazade não dá as caras nas páginas da direita. As críticas ao governo Bolsonaro, a defesa da pauta LGBT e até mesmo a mudança de estilo, que foi migrando da polidez jornalística para a sensualidade do mundo dos famosos, acabou fazendo Sheherazade ser odiada por todos os lados da briga política. Demitida do SBT, ignorada pelo povão, caiu no esquecimento.

E como a fênix, ressurgiu.

Desde o final do mês de setembro, a jornalista esteve confinada no reality show A Fazenda, o BBB do pastor Edir Macedo. Em meio a diversas subcelebridades que só alcançaram alguma fama por escândalos e sem-vergonhices nas redes sociais, Rachel destoou, exibindo cultura e elegância infinitamente acima dos outros participantes. Nas páginas de internet era unânime o comentário de que a jornalista era fina demais para estar naquele grupo.

Logo nos primeiros dias, uma cena viralizou: sentada no sofá, ouvindo os colegas WL Guimarães e Cariúcha cantarem o refrão “Tira Leite”, do humorista MC Gorila, Rachel fez caras e bocas de espantada, como se fosse seu primeiro contato com um mundo novo, para a diversão do público.

Foi com Cariúcha, uma espécie de cantora-apresentadora-influenciadora de tudo um pouco, nada em específico, que a coisa migrou do humor para a baixaria. Descontente com o jeito espalhafatoso e barraqueiro de Cariúcha, que fazia questão de cantar alto enquanto todos estavam dormindo, Rachel passou a enfrentar sua colega de confinamento e receber, de volta, ofensas como “patricinha mimada”, “cobra” e até “vadia”.

Eu sei que o leitor pode estar rejeitando tamanha vulgaridade. Também não recomendo, mas deixe-me provar meu argumento: Rachel é ponto fora da curva; o cisne negro de Nassim Taleb que, inesperadamente, brotou no meio dessa cultura progressista que tomou conta da televisão brasileira, da indústria do entretenimento, mesmo aquela mais ordinária, que visa justamente os estratos mais baixos da sociedade.

Em uma das acaloradas discussões com Cariúcha, a jornalista colocou a mão à frente do seu rosto, tão próxima que a influenciadora chegou perto dela, e pediu para que ela parasse de cuspir porque tal atitude poderia causar sua expulsão do programa. Foi o suficiente para Cariúcha sacar o race card e acusar Rachel de ter sido preconceituosa. Pior: inventou palavras que não foram ditas, acusando a jornalista de sentir nojo dela por ser mulher preta e que ela teria ficado com medo de “pegar doença”.

A internet não perdoou e logo começou uma campanha para tirar Cariúcha do programa, tamanha foi a gravidade da mentira, mas Rachel nem precisou do público para protege-la. Ela mesma subiu no palco e proferiu, com segurança, a sua própria defesa.

Eu vou reproduzir na íntegra as palavras de Sheherazade pronunciadas ao vivo e em horário nobre:

“Sou neta de uma mulher negra, preta como você. Pode não estar na minha pele, mas está nos meus genes. Não tenho culpa se houve miscigenação na minha família. Aliás, ninguém tem culpa por nascer branco ou preto nesse país. Somos resultado de uma união de cores e etnia e todos merecem igual respeito. Não estou aqui para fazer proselitismo de raça A ou B porque eu não acredito em raça, só acredito em uma só raça: a raça humana”.

E, pouco depois, completou: “As doenças são transmitidas pelo sangue, pelo suor, pelo sêmen e também pela saliva. Sim, você pode transmitir doenças pela saliva também. Você não transmite doenças por ser preta ou favelada. Não usa a sua cor para me acusar de preconceito, ok?”.

Mas que maravilha! Para o desespero dos patrocinadores, com a audiência lá em cima, especialmente da classe C, mais vulnerável às pautas identitárias, a pupila-de-político-nenhum deu uma aula sobre como desmontar aquele jeitinho uspiniano de vencer um debate. Em pé, com o dedo em riste, sem medo de ter razão, loira, branca, privilegiada e com botox na medida, Sheherazade rejeitou, categoricamente, a intolerável falsa acusação de ser uma pessoa racista.

Cariúcha acabou eliminada do programa uma semana depois, em sua primeira votação popular e com enorme rejeição. Já Rachel foi expulsa do programa na última-sexta-feira (20), depois de usar novamente as mãos para afastar outra briguenta, Jenny Miranda, dessa vez dando o azar de tocar no rosto da sua oponente, supostamente quebrando a regra que proíbe agressões durante o reality.

Para quem acompanha sites de fofoca, está um deleite constatar o “cancelamento” de Cariúcha, enquanto Sheherazade é ovacionada por sua inteligência, firmeza e caráter, mesmo exposta em um jogo de tabuleiro onde poderia ter saído como a vilã do enredo.

Será que agora as classes falantes do mainstream brasileiro entenderam, de uma vez por todas, que a cultura da baixaria não é apreciada pelo povão? Que funkeiras como Cariúcha, orgulhosas dos palavrões e da lacração favelizada, são preteridas em favor das moças bem educadas, instruídas, que usam do bom português e que não aceitam qualquer dívida histórica por sua posição social? Que não foi à toa o sucesso das helenas de Manoel Carlos no horário nobre da Rede Globo por décadas, representando mulheres independentes, fortes, mas também belas, românticas, femininas e boas mães?

Não restam dúvidas de que o brasileiro continua admirando a nobreza e a civilidade. Se chegou a ser chamada de Princesa Isabel por sua inimiga de reality, é porque de fato a jornalista cinquentenária entrou na cabeça dos vitimistas de plantão.

Uma pena que debate político tenha sido reduzido a estereótipos de esquerda e direita, tirando mentes como a de Sheherazade da assembleia pública de vozes. Pode não representar a visão de mundo que considero mais justa, mas ela carrega a dignidade humana que deveria ser condição básica para se fazer ouvido.

Em meio aos gritos, bundas, gemidos e mimimis, uma inteligência.

Fica a lição, Sr. Boninho.  

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2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pela bela análise! Tomara que a Raquel encontre o caminho da Verdade e use de sua voz para ajudar no despertar pessoas que estão na ilusão das narrativas progressistas.

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