ISRAEL SIMÕES | Gatilhos emocionais

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Se existem os tais gatilhos emocionais, os meus poderiam perfeitamente ter sido acionados, com a máxima força, esta semana, quando me deparei com a resposta de três reitoras das maiores universidades americanas ao questionamento da congressista americana Elise Stefanik sobre discurso antissemita. Claudine Gay, Liz Magill e Sally Kornbluth, respectivamente presidentes das universidades de Harvard, Pensilvânia e MIT, se negaram a afirmar que o discurso em defesa do genocídio de judeus infringia o código de conduta de suas instituições, para o espanto de Stefanik, que insistiu na pergunta, mas não obteve nada além de respostas evasivas e tergiversação.

“Depende do contexto”, disseram as três. E imediatamente passou um filme, na minha cabeça, dos seis anos em que trabalhei dentro de um campus de uma universidade federal no Brasil. À exemplo da cultura americana, ele estava contaminado por este tipo de padrão moral duplo, que altera critérios conforme os interesses e agendas em discussão.

Os maconheiros que saíam pelos corredores tirando a roupa, pichando paredes, cuspindo em seguranças (negros) e gritando palavras de ordem eram indivíduos que evocavam o mais profundo respeito, pela maneira corajosa como exerciam a sua cidadania. Já os empresários, os agricultores, os pais de família e as senhoras de oração constituam a extrema-direita fascista que deveria ser varrida do mapa. Assim diziam, sem qualquer timidez.

Quantas vezes testemunhei, com os meus próprios olhos e ouvidos, o preconceito escancarado contra quem cultive as expressões da tradição judaico-cristã presentes na cultura ocidental; uma espécie de antissemitismo soft, que não se assume, mas que também não se envergonha do seu discurso de ódio. Eram os mesmos intolerantes que, nos congressos e seminários promovidos pela universidade, discursavam em defesa da paz mundial, da comunicação não-violenta, do ecumenismo, das prostitutas, dos presidiários, das baleias, golfinhos, girafas, onças-pintadas, paus-brasis, samambaias, ratazanas e formigas africanas, chegando a problematizar, em debates da mais alta formalidade, dilemas como pisar na grama ou usar coleiras em cachorros.

Foi como catar máscaras no chão quando vi as três reitoras de renome internacional reconhecendo publicamente, para o mundo inteiro ouvir, que o discurso de genocídio do povo judeu é permitido em seus campi sem, necessariamente, uma retaliação. Por trás dos rostos desbotados sem maquiagem, contornados por cabelos de corte simples e pouco cuidado, residem almas cruéis incapazes de combater, na prática, a violência e a segregação. Mulheres boas em discursos vazios carregados de expressões imprecisas como “dívida histórica”, “microagressões” e “saúde mental”, que não movem um dedo para extirpar, de suas instituições, o preconceito que mais matou no séc. XX e, provavelmente, na história da humanidade inteira.

As feições indiferentes das três reitoras me lembraram uma gestora de recursos humanos desta universidade onde trabalhei. Tão logo cometi a ingenuidade de relatar a minha experiência com gestão no mercado privado de trabalho, em uma reunião daquelas comissões de serviço público que tudo prometem e nada fazem, a senhora passou a me fuzilar com o olho como se criminoso eu fosse. Ali ela iniciou uma perseguição que só terminou quando eu mesmo pedi para mudar de setor, algo que fiz algumas vezes enquanto servidor, na tentativa de sobreviver àquela exposição diária de perversão travestida de superioridade intelectual.

E as pessoas ainda me perguntam porque deixei um cargo público com estabilidade, salário alto, baixíssima exigência e uma série de regalias e mimos gratuitos. De fato pedi exoneração do órgão público onde adentrei mediante concurso, no dia dois de outubro de 2022. Numa noite meu salário caía todo dia primeiro na conta da Caixa Econômica Federal, no dia seguinte eu era mais um brasileiro desempregado. Para não ficar tão feio, profissional autônomo.

Porque para suportar senhoras como Magill e Kornbluth diariamente, reunir-se com elas, tomar café, fazer amigo oculto, festa de fim de ano, é preciso uma dose de frieza quase no nível da psicopatia, bem anestesiante, que se não chega ao nível da brutalidade estereotípica das guardas femininas dos campos de Ravensbruck, passa perto.

Não tenho esta qualidade. Sou bem humano. Sofro inclusive de “gatilhos emocionais”, especialmente quando revejo um blazer com ombreiras camuflando uma consciência que dá de ombros para o verdadeiro racismo.

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