VITOR MARCOLIN | Moonwalker do Curupira

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

O trunfo do Brasil

Qual é a cor da sua pele? Se o leitor é brasileiro, provavelmente a pergunta soará ligeiramente estranha. É normal. Dentre as nações modernas — aquelas nascidas após o Renascimento, a partir do século XVI —, o Brasil é provavelmente a mais exótica. Chamado de Pindorama (Terra das Palmeiras) pelos indígenas, e depois batizada de Terra de Santa Cruz pelos cristãos lusitanos, o Brasil abrigou provavelmente o maior fenômeno sociológico da História: a miscigenação. Quando escreveu a letra do Hino Nacional, Joaquim Osório Duque-Estrada foi bastante feliz nas referências políticas e sociológicas na ode “fulguras, ó, Brasil, florão da América, iluminado ao sol do Novo Mundo”.  

E são dois os motivos de exotismo da flor brasileira: a Monarquia e a miscigenação. O país foi o único do Novo Mundo que, depois de conquistar sua independência política em relação à Europa, manteve — por quase 70 anos — a Monarquia Constitucional como forma de governo. A letra do Hino Nacional foi oficializada por Epitácio Pessoa no centenário da Independência, quando, evidentemente, já éramos uma República. No entanto, os versos não ofendem a memória do Império. Isso porque são otimistas em relação ao futuro e, sob diversos aspectos, realistas quanto ao passado: “Paz no futuro e glória no passado”. E quanto à realidade da miscigenação, o país criou um tipo especial de democracia: a “democracia racial”.  

O termo destacado faz referência aos ensaios de Gilberto Freyre, intelectual pernambucano que está para o Brasil o que Max Weber está para a Alemanha: Freyre é o pai da sociologia brasileira. Em seus livros, o sociólogo revelou a dinâmica das raças no território português na América. É bastante evidente para qualquer um que enxergue que no Brasil a mistura de raças não se constituiu, como na Europa e nos Estados Unidos, numa exceção a uma regra sagrada. Não. Aqui, desde o início do estabelecimento da civilização europeia, o branco, o negro e o índio casaram-se entre si, tiveram filhos mulatos, caboclos e cafuzos. E como a ação tem primazia sobre o discurso, na prática, no Brasil, a perseguição de tipo racial é tão verdadeira quanto o moonwalker do Curupira. 

A bem da verdade, existe uma narrativa que, construída por gente perfeitamente consciente do que quer, pretende inculcar na cabeça dos incautos a mentira do entrechoque de raças no Brasil. Pelo que me consta, sou descendente de quatro povos fundamentais: portugueses, indígenas, negros e italianos — os judeus ainda estão no campo das suspeitas. E eu nunca soube, por parte de quaisquer parentes próximos ou distantes, de conflitos em virtude da mistura de raças na família. Simplesmente não houve. Nós não usamos a cor da pele como premissa para reivindicações, vinganças ou gritos de “justiça social!”. Somos o que somos e as disposições em contrário não têm efeito.  

Gilberto Freyre tinha razão: o trunfo do Brasil é o mestiço. Mas no ambiente acadêmico e em grande parte da mídia vale o malogrado discurso do conflito, do “nós contra eles”. Isso é um grande erro. Aqueles que, desonestos, servem a essa narrativa não têm o mínimo interesse na união verdadeira da nação. Não. Ademais, hipocritamente importam modelos sociológicos da Europa e dos Estados Unidos — que não têm serventia para a realidade brasileira. O Brasil deu e dá certo todos os dias, quem não percebe deve estar assaz entretido com a visão dos mirabolantes passos do Curupira.  

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