ISRAEL SIMÕES | Contra o zambellismo: Nikole

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

As notícias políticas são como as fofocas dos famosos. Mudam todo o dia, dificultando o trabalho deste autor que aprecia ambos os universos, das coisas vulgares e dos poderes do alto.

O assunto da semana foram as joias que Michelle Bolsonaro teria recebido como presente do governo da Arábia Saudita. Os itens acabaram retidos na alfândega por não terem sido devidamente declarados. Ou seja, mais um dos imbróglios diários causados pela burocracia brasileira, episódio sem a menor relevância, exceto para a mídia. O governo tentou reaver as peças por meio de documentos legais que são públicos e de fácil acesso, mas na varredura diária da Folha de São Paulo, do quintal à gaveta de cuecas dos bolsonaro e agregados, somente agora apareceu o gatilho-escândalo. Talvez para abafar a escolha de ministros envolvidos em corrupção pelo presidente Lula ou a festinha realizada em um navio de guerra iraniano, atracado no porto do Rio de Janeiro, com a presença de autoridades brasileiras.

Outra pauta que tomou conta dos sites de notícias foi a peruca da deputada federal Nikole Ferreira, que discursou na tribuna da Câmara dos Deputados no Dia Internacional da Mulher. Era na verdade Nikolas Ferreira, deputado mais votado do país nas últimas eleições que, por três minutos, converteu-se em mulher trans para criticar a perda de espaço das mulheres de facto nos esportes, comerciais de TV, na cultura popular em geral. Usando uma peruca loira que mais parecia um espanador de microfibra, Nikolas nos fez lembrar o ridículo caso de Ricci Tres, um skatista de 29 anos que também providenciou uma cabeleira postiça (mais bem tratada, sejamos justos) para vencer uma competição feminina de skate nos Estados Unidos no ano passado.

Vejam como a política e o tititi das celebridades estão cada vez mais próximos de um denominador comum: a falta de assunto efetivamente relevante. No lugar de pensar o problema da ocupação de espaços femininos por homens ou a quantidade de leis absurdas que tornam a vida do brasileiro um inferno, a mídia opta por assassinar reputações, sempre na direção dos personagens à direita. É um gesto similar à cultura de linchamento virtual que, hoje, transforma os artistas em autômatos acuados e despersonalizados (que ironia do destino, não? Que os expoentes da Escola de Frankfurt se tornaram os primeiros escravos das máquinas…).

Mas não foi de Nikolas ou Michelle que eu prometi falar essa semana. Demos início, no último artigo desta coluna, à exploração inicial de um novo fenômeno: o Zambellismo. Trata-se de um grupo de liberais que estão fazendo carreira na política brasileira com amplo apoio dos conservadores, bastando colar sua imagem em Bolsonaro e repetir alguns chavões do tipo “Deus, pátria e família”. Uma espécie de peruca-direitista.

Carla Zambelli, deputada federal que desponta como símbolo do movimento, passou a semana sem polêmicas, depois da entrevista desastrosa para a Folha, há duas semanas, quando teceu críticas genéricas a Bolsonaro e levantou bandeira branca ao STF. Até agora Zambelli vem cumprindo sua promessa de girar a mira do judiciário para o executivo: em suas últimas 10 postagens no Instagram, 7 citam nominalmente o presidente Lula, nenhuma sobre Alexandre de Moraes ou qualquer ministro do supremo. Nos stories, uma foto de Bolsonaro discursando nos Estados Unidos com um enorme coração verde e amarelo giratório.

Depois da mordida, o assopro.

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e possível adepto do zambellismo, inaugurou essa semana o Museu da Vacina (?) com um discurso pró-ciência que, na boca de Bolsonaro, provavelmente teria lhe garantido mais quatro anos de presidência. À frente do governo do estado mais rico do Brasil, Tarcísio tem muito mais oportunidade de mostrar sua competência de gestor do que Zambelli, como no avanço da privatização do Porto de Santos. Em um país de corrupção sistêmica e inchaço da máquina pública, o positivismo terá sempre amplo espaço para produzir os seus heróis.

A pergunta da semana passada, no entanto, ainda não foi respondida: depois de tantos aliados de Bolsonaro o abandonarem pelo pragmatismo político, o que leva Zambelli a insistir no discurso de fidelidade ao ex-presidente, mesmo ele estando, aparentemente, fora do páreo?

A resposta é simples: mais pragmatismo.

Mas não caiamos no erro de interpretar as ações dos indivíduos a partir de sua intenção mais aparente. Pensar que Zambelli e Tarcísio são apenas políticos mais espertos ou oportunistas do que os ex-aliados de Bolsonaro é tratar o interessantíssimo jogo de poder como puramente técnico, calculado. Estaríamos caindo no engodo que os próprios liberais tentam nos fazer acreditar.

Não, estamos falando de personalidades distintas, revelando diferentes graus de consciência e motivações para ficar de um lado ou outro do muro (ou em cima).

Joice Hasselmann, Alexandre Frota, João Doria, Mandetta e tantos outros que, durante um bom tempo, foram do mesmo time de Zambelli, parecem aqueles sujeitos tipicamente autocentrados, que vivem numa busca incessante por provar seu poder pessoal. Quem não se lembra de Doria disputando flexões com Bolsonaro em uma escola da PM? Ou Joice Hasselmann insistindo que era a “Bolsonaro de saias”?

Se houve um erro que Bolsonaro cometeu foi o de se aliar a conservadores de aparência, que gritam alto, batem na mesa, mas que nunca apresentaram ações objetivas na direção da guerra cultural (podemos também falar em acerto, já que pelas mesmas aparências, caíram suas máscaras). Na psicologia do Prof. Olavo de Carvalho classificamos esses indivíduos como “personalidades de camada 5”, eternos adolescentes, presos na necessidade de autoafirmação, incapazes de desenvolver a lealdade a alguém que não seja eles mesmos. Como precisam bancar os valentões, escondem os sofrimentos que levariam a uma autocrítica, isolando-se por sua chatice, o que só lhes reforça a sensação de autonomia e superioridade.

Talvez por seu temperamento manso e subserviente é que Carla Zambelli foi capaz de atingir uma camada acima: aquela que abandona a afirmação de poder pessoal em favor da obtenção de um resultado efetivo. O indivíduo de camada 6, como explica o Prof. Olavo, quer provocar uma mudança não nele próprio, mas fora dele, no mundo concreto. Com essa motivação, o liberal alcança o seu mais alto grau de realização, expandindo seu espaço vital, esforçando-se ao máximo para manter a execução de suas tarefas, flexibilizando os interesses do ego em prol da eficiência.

Não que a satisfação pessoal não esteja presente movendo cada passo, postagem, declaração, eventualmente confundindo as próprias ações. Afinal de contas, somente na camada 7 da personalidade é que a pessoa atinge a estabilização de suas tendências interiores, amadurecendo de fato, assumindo o papel que lhe cabe, conforme o mundo lhe é recíproco. Mas a transferência do eixo de valor do sujeito para o objeto, quando finalmente é possível se desgarrar dos estímulos da adolescência, torna mais fácil baixar a cabeça e amoldar-se às regras do meio social.

A própria manutenção do cargo, do emprego e do status pode se tornar a causa final do pragmatista, exigindo competência para exercê-lo acima de suas preferências ou convicções pessoais. Mas o deslocamento do papel social fica evidente quando esses conservadores por conveniência precisam fazer sacrifícios para além do cumprimento de um dever cívico, por amor à causa, ao próximo, pela história.

Há quem diga que o próprio Bolsonaro abdicou deste ato heroico para preservar sua vida, família e patrimônio, provando que nunca deixou de ser um típico político brasileiro criado sob o éthos do militarismo. Sugiro outra hipótese: faltaram forças, poder, os atributos excepcionais sem os quais todo herói é mero mortal.

Pois se não foi capaz de conquistar um papel histórico, também é inegável que Bolsonaro deixou uma marca na política brasileira: a da autonomia do caráter, para além do papel social. Uma personalidade com fortes indícios de camada 8, talvez alcançada apenas nos últimos dias de poder.

Isso significa que a trajetória de Bolsonaro é o testemunho de um indivíduo que sai da adolescência liberalista, passa pelo conservadorismo zambelliano, aprende, amadurece e renuncia para se tornar, genuinamente, um homem conservador. Uma ascensão tardia para os anseios do povo, mas que não deixa de ser admirável.

Não espere deste autor a promoção do expurgo dentro da nova direita, ainda tão incipiente e perdida no cenário nacional. Desde que não queiram eleger Tarcísio presidente (e Zambelli já apareceu sugerindo novos nomes para 2026), o movimento conservador ainda pode inverter o jogo e fazer dos liberais a presa no lugar do predador.

Tudo indica que as mulheres continuarão na linha de frente, mas nada de joices, janainas ou qualquer zambellista que surja nas redes sociais. O movimento conservador espera por homens e mulheres forjados nas camadas superiores, prontos para a batalha, que não hesitarão em cumprir sua missão.

Michelle e Nikole, contamos com vocês.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

5 COMENTÁRIOS

  1. “ Trata-se de um grupo de liberais que estão fazendo carreira na política brasileira com amplo apoio dos conservadores…”

    A Zambelli é liberal? Mas nem a pau, Juvenal!

    Podes me definir “liberal” e “conservador”?

    • Em sua primeira semana de mandato, ainda em 2019, quando Zambelli virou-se contra o Prof. Olavo por uma exortação sabiamente paternal para defender os negócios do Brasil com a China, não me restaram dúvidas: ela é uma liberal, fundida no conservadorismo por puro nojinho do estatismo esquerdista. O recuo de duas semanas atrás, quando colocou a manutenção do próprio cargo acima da luta pela liberdade sob o argumento mais liberal possível – estratégia política – só coroou uma carreira de “luta contra a corrupção” inócua, fábrica de heróis como Sérgio Moro, mais do mesmo.

        • Vou te dar uma definição possível, com o enfoque psicológico do artigo: o conservadorismo nasce quando o indivíduo percebe que ele não é autossuficiente, porque pertence a uma ordem social contínua e preexistente. Este estado de consciência só pode ser atingido depois de estabilizadas as inclinações individuais, o caráter, para além dos papéis sociais que ele ocupe. Uma das mais fortes evidências deste nível de maturidade é a lealdade. Você só pode ser leal a alguém quando pertence a algo além de si próprio. Agora eu te pergunto: quando Zambelli rompe com Olavo e Bolsonaro, resta a lealdade a quem? A si mesma? Ao conservadorismo puramente conceitual?

          • Está bem. Agora, começo a te entender. Lembra um pouco a definição de Russell Kirk — a qual, confesso, não me agrada. É difícil definir, mas falamos (eu também) como se o sentido fosse inequívoco.

            Vou te mandar um texto que escrevi para a Philadelphia Society a respeito de um evento deles sobre conservadorismo. Depois de um fim-de-semana inteiro saí de lá com mais dúvidas do que eu tinha antes!

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