Nelson Rodrigues contra a conjuntura paulistana
Quando Nelson Rodrigues estava na ativa, nos idos de 1950/60, era comum vê-lo pensativo, com um cigarro entre os dedos, a olhar através da janela. Entre os intervalos dos parágrafos, Nelson levantava-se da cadeira a fim de buscar inspiração na vista da janela que dava para o centro do Rio. Imagino a quantidade e qualidade das crônicas e contos que tomavam forma na mente do “anjo pornográfico” durante aqueles momentos de inspiração.
Minha janela localiza-se no 14º andar de um prédio na Avenida Paulista. E hoje, ao olhar através dela, flagrei-me pensando no mutatis mutandis que me separa do Nelson Rodrigues…
Em São Paulo, é verdade, há mais aviões, há mais helicópteros, há mais carros e motos, mais pessoas que gritam… Aqui não temos o mar para nos acalmar, para abrandar os nossos dias tão atribulados. Mas o paulistano é criativo; e ele não precisa da Baía de Guanabara, do Pão de Açúcar ou do Corcovado para inspirar-lhe a engenhosidade. Não. Aqui ele constrói piscinas no alto dos prédios… Eu vi através da minha janela.
Mas e o Nelson? Nos tempos do Nelson usava-se máquina de escrever, tinha-se tendinite; nas redações, os colegas sofriam com o calor, porque não havia ar-condicionado. Nos tempos do Nelson a vida era mais dura e mais simples: bastava escrever a carta, botar o selo e despachá-la na agência dos Correios no centro da cidade… A polícia não permitia namorar em praça pública, não. Nos tempos do Nelson os leitores escandalizavam-se ao ler, no jornal do dia, as manchetes sobre a aprovação do divórcio. Hoje… coisa pior.
***
Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023
“Não há solidão maior do que a companhia de um paulista.” (Nélson Rodrigues)
Homens da geração do Nelson Rodrigues suportariam viver nestes tempos de autocensura preventiva? Precisamos deles para saber o que era liberdade de expressão.
O Nélson, creio, entenderia perfeitamente o grau de degradação que atingimos e escreveria muito bem a respeito disso.