FILOSOFIA INTEGRAL丨Chesterton e a loucura do pensamento moderno

Os pensadores, desde o Renascimento, esforçaram-se por superar a “superstição” medieval. Havia um clamor por autonomia. Eles ansiavam por se ver livres das delimitações religiosas, dos princípios cerceadores do cristianismo e de uma filosofia norteada pela Revelação.

A modernidade surge, então, com seu otimismo em relação à capacidade humana de decifrar a estrutura da realidade. Os homens passaram a tentar, por si mesmos, entender o que é a existência. A experiência cartesiana, por exemplo, nada mais foi do que o esforço por pensar sem o auxílio de qualquer elemento exterior.

A autonomia do pensamento caracterizou a filosofia moderna. Sem prestar contas a ninguém, os filósofos dividiram-se, com cada um apresentando sua própria versão da totalidade, sua própria concepção da realidade.

Para garantir sua independência, a filosofia moderna, porém, precisou negar os fundamentos da cultura onde ela mesma estava inserida. Assim, rejeitou a Revelação como base de suas especulações, preferiu seguir sozinha em sua busca por compreender a verdade e, para isso, apoiou-se em suas próprias percepções, em seu próprio raciocínio e em sua própria observação.

Chesterton, identificando essa característica da filosofia moderna, em seu livro Ortodoxia, compara-a ao pensamento de um louco, afinal, “quem pensa sem os apropriados primeiros princípios fica louco“. Sua convicção é de que ter a si mesmo e suas próprias percepções como o início das especulações é uma característica mórbida. Por isso, ele entende que as explicações modernas são insanas.

Mas, segundo Chesterton, a insanidade do pensamento moderno não se revela na ausência de sentido de seus raciocínios, e sim no fato de conterem sentido demais. Basta ver como “os loucos são em geral grandes argumentadores“. Na verdade, uma característica típica de um pensamento lunático é ser eminentemente lógico. O louco costuma ser muito racional, até porque ele “não é alguém que perdeu a razão, mas alguém que perdeu tudo exceto a razão“.

As filosofias modernas também tendem a formar-se como sistemas totalmente coerentes com seus próprios pressupostos. Para Chesterton, no entanto, essa é mais uma característica do pensamento insano. O problema é que é possível ser totalmente lógico e isso não condizer em nada com a realidade. Tanto que “o louco costuma ter um raciocínio expansivo e exaustivo com reduzido bom senso“. Basta para isso que seus pressupostos estejam equivocados.

Essa lógica estrita fez com que os sistemas de pensamento das escolas filosóficas da modernidade movessem-se de maneira circular. E, segundo Chesterton, essa é uma forma insana de raciocinar, pois, quando o louco coloca a razão em andamento, ela se move exatamente em círculos; suas explicações acabam sendo nada mais do que justificativas daquilo que ele mesmo propôs ─ meras racionalizações de seus próprios pressupostos. Por isso, tem-se a impressão que são explicações completas.

Porém, quando o raciocínio circular é quebrado, percebe-se que muita coisa foi deixada de fora. Até porque “a explicação insana é tão completa como a do sensato, apesar de não tão abrangente“.

O resultado dessas características do pensamento moderno é sua evidente limitação. A partir do momento que ele se fecha dentro de seu circuito interno de raciocínios, torna-se incapaz de acessar e aceitar qualquer tipo de realidade não prevista ou não concebida. Como diz Chesterton: “A explicação insana esclarece muita coisa, mas deixa muita coisa de fora“.

Por isso, o pensamento moderno precisa ser reducionista. Suas concepções exigem ser simples para que tudo se encaixe em sua forma de conceber as coisas. Paradoxalmente, essa simplicidade passa a impressão de perfeição e as filosofias modernas se aproveitam disso para parecerem inequívocas. Porém, essa perfeição é como a “bala [que] é exatamente tão redonda como o mundo, mas não é o mundo“.

Não por acaso, ao fechar-se em si mesma, a filosofia moderna tornou-se obsessiva. Diferente do pensamento tradicional, que tende a ser amplo, o moderno costuma escolher uma perspectiva específica e agarrar-se a ela como um louco a suas manias. É um olhar concentrado, que busca a profundidade do que observa, mas que, por isso, esquece da totalidade do que existe em volta, apresentando “aquela combinação de um raciocínio expansivo e exaustivo com um reduzido bom senso, [sendo] universal apenas no sentido de que toma uma explicação superficial e a leva muito longe“.

Há, por fim, uma arrogância típica nas filosofias modernas, de quem confia demais em suas próprias proposições, sem nunca questionar se elas realmente são corretas. Até porque todas elas costumam apresentar-se como a resposta definitiva às questões a que se propõem. Essa autoconfiança exagerada é apontada, por Chesterton, também como um indício da insanidade do pensamento moderno, pois só “os loucos nunca têm dúvidas“. Não por acaso, “os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos“.

Chesterton tinha plena consciência que a filosofia de seu tempo havia enlouquecido. Por isso, ele mesmo refugiou-se, muitas vezes, na literatura. Afinal, “a imaginação não gera a insanidade. O que gera a insanidade é exatamente a razão. O poetas não enlouquecem, mas os jogadores de xadrez, sim. Os matemáticos enlouquecem, e os caixas; mas isso raramente acontece com os artistas criadores”.

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