A inteligência artificial está gestando sua própria negação. Sua evolução é o desenvolvimento de um paradoxo, que a levará à sua inutilidade como reprodutora da realidade.
Uma das funções mais importantes da tecnologia gráfica é reproduzir, com fidelidade, a realidade. Espera-se que um vídeo mostre aquilo que a câmera captou no mundo; que uma foto seja a cópia fiel dos elementos que existem na vida.
Até hoje, temos conseguido, razoavelmente, identificar as manipulações, distinguindo a reprodução fiel da realidade da sua distorção, a replicação exata dos fatos da mera construção artificial.
No entanto, essa tecnologia de imitação está se aproximando da perfeição. Ela está emulando a realidade com tanta fidelidade que a diferença entre o real e o artificial está se tornando indiscernível.
Quando, então, essa indistinção se tornar definitiva, chegaremos naquilo que eu chamo de paradoxo da confiança tecnológica. Quando o real for indiscernível da sua imitação, os meios de reprodução já não mais se prestarão a reproduzir nada, pelo simples fato de não se poder saber se eles estão reproduzindo ou imitando.
Quando chegar nesse estágio, os vídeos e as fotos ─ além dos áudios ─ já não nos transmitirão nenhuma evidência, pois não haverá segurança alguma de que eles estão nos mostrando algo verdadeiro. Os meios de reprodução já não se prestarão a reproduzir, não por não serem capazes, mas por não serem mais confiáveis.
A tecnologia, então, será vista como um mundo à parte, um mundo de imitação, de fantasia, de ficção, de sonho e não mais como reflexo da realidade.
Chegará ao ponto de, se nós quisermos ter certeza de que algo é real, de que algo aconteceu de fato, só poderemos confiar no velho mundo analógico, ou seja, nos nossos próprios olhos – e nisto residirá o seu paradoxo: a tecnologia trazendo-nos de volta para o mundo real.
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(eu acho) 😀
sinto feliz em ter inspirado esse artigo do professor.
Não é exatamente a mesma abordagem ao tema, mas me parece relacionada àquela que usei para tratar do assunto na minha coluna.
Não falei da questão da desconfiança [que, diga-se, terá impacto fortíssimo no Direito, p.e.], mas a conclusão foi no sentido de um retorno ao mundo “pré-tecnológico”. A medida da realidade será nossa própria humanidade.
Estamos enxergando a mesma coisa. Sinal que não deve ser loucura nossa.