Quando tomamos conhecimento das circunstâncias que deram origem ao livro Cristianismo Puro e Simples, do C.S. Lewis, a saber, de que ele nasce da compilação de programas de rádio, transmitidos pelo próprio Lewis, em plena II Guerra Mundial, com o objetivo de explicar o cristianismo às pessoas comuns, pressupomos que a motivação era levar uma palavra de alento e esperança ao povo britânico. Diante disso, era de se esperar que o autor apresentasse para seu público um conteúdo mais motivacional, reconfortante e que não ferisse suscetibilidades. Lembremos que vivemos tempos pós-modernos, com a tendência de esvaziar a religião de seus conteúdos mais dogmáticos. Seria previsível, portanto, que Lewis apresentasse uma mensagem cristã que fosse palatável aos gostos atuais.
No entanto, o pensador britânico simplesmente ignora todas essas expectativas e, em vez de relativizar o conteúdo moral, tratando-o como uma questão de escolha ou de identificação pessoal, fugindo assim da pecha de intolerante, escolhe o caminho contrário e entra com o pé na porta, afirmando, categoricamente que as leis morais são absolutas.
Lewis sequer dá tempo do leitor acusá-lo de ser demasiado impositivo, pois, já de início, convida-o a imaginar o cenário de pessoas discutindo, fazendo as seguintes afirmações: “Como você se sentiria se alguém fizesse o mesmo com você?”, “Esse lugar é meu, eu cheguei primeiro”, “Deixe-o em paz, ele não está incomodando-o”, “Você empurrou primeiro”, “Dê-me um pedaço de sua laranja, eu te dei um pedaço da minha”, Vamos lá, você prometeu”. O que Lewis quer que o leitor perceba é que, em todas essas manifestações, está pressuposto que a pessoa que as profere espera que a outra possua os mesmos padrões sobre o que é certo e o que é errado que ela. Ou seja, espera que haja uma base moral comum que sirva de padrão de julgamento do que se está discutindo.
A essa base moral comum Lewis chama de Lei Natural, que os homens carregam dentro de si e que não foi ensinada por ninguém. O que ele quer dizer é que existe uma verdade moral que está impregnada na natureza humana e que funciona nele como uma regra inata, que não se pode negar, nem violar, nem suprimir sem que isso lhe traga consequências.
Lewis trata a Moral como uma lei porque vê que ela é tão absoluta quanto as leis da física ou da matemática, ou seja, ela existe na própria realidade, antes mesmo das pessoas tomarem consciência dela. Tanto que ele vai dizer que “as pessoas podem muitas vezes se enganar sobre o certo e o errado, da mesma forma que às vezes erram os cálculos; mas isso não é uma mera questão de gosto ou opinião, mas de tabuada”. O que ele quer dizer é que você pode dizer e até acreditar que dois mais dois é igual a cinco, mas isto simplesmente está errado; você pode acreditar que saltando de um prédio você vai voar, mas certamente se espatifará no chão. Da mesma forma, você pode negar uma Lei Moral, mas isso simplesmente lhe colocará em estado de erro. Moral, portanto, segundo Lewis, não é uma questão de escolha, mas de reconhecimento.
Mas algumas pessoas vão dizer que uma Lei Moral não pode ser absoluta porque, se fosse, não haveria tantas culturas diferentes com morais tão diferente. O que Lewis discorda, afirmando que, se observarmos bem, as diferenças entre os conteúdos morais das diversas culturas são mínimas. Basta ver como todas elas tratam determinados comportamentos como reprováveis, como por exemplo a atitude de um desertor ou a de alguém que trai a confiança de quem lhe faz bem. Ou seja, há um núcleo moral comum a todas as culturas e a este núcleo Lewis vai chamar de Lei da Natureza Humana.
Da minha parte, eu acrescentaria que nem importa muito o conteúdo da lei moral. Ainda que, na aplicação prática, ela se manifestasse de maneiras diferentes nas diversas culturas, permaneceria o mais importante: a ideia de certo e errado, a ideia de que existe um regramento moral. O que eu quero dizer é que, independentemente do conteúdo moral, nenhuma civilização sobreviveria sem uma noção natural do certo e do errado. Todas culturas têm moral e muito pouco dela é construída.
Lewis afirma que, independentemente da vontade dos homens, existe uma Moral que é transcendente, antecedente, imutável e que está incrustada na natureza humana. Assim, ele oferece a base do pensamento cristão. Afinal, o cristianismo é, antes de tudo, uma religião moral, mas não de uma moralidade prática, de regramentos a serem seguidos, mas de um conteúdo essencialmente moral, que ensina que existe um certo e um errado, um caminho bom e caminho mau, uma escolha louvável e uma escolha reprovável, uma salvação e uma perdição.
Assim, fica demarcado o início da apresentação do cristianismo por C.S. Lewis. Para quem esperava dele uma entrada vacilante ou mais sensibilidade; para quem achava que ele iria ingressar no tema tateando, tentando ganhar o público antes de apresentá-lo às ideias mais duras, Lewis faz exatamente o contrário: ele já joga na cara do leitor uma verdade indigesta, de que existe uma moral e essa moral é inquestionável, não porque foi revelada, nem porque foi ensinada pela Igreja, mas simplesmente por ser uma lei natural.
Na atualidade, muitos fazem uso do termo religião para se referir a todas
as seitas, envolvendo, identificando-as como maometismo, budismo,
hinduísmo, taoísmo, confucionismo, inclusive, colocam nesse meio também
o cristianismo. É importante analisar que as palavras de Paulo são certeiras
quando ele faz alusão à religião natural, a qual substitui o plano original de
Deus. Sua introdução na vivência humana se dá pelo próprio homem (Rm
1.20-25). Por meio da religião natural, pode-se analisar que houve
deturpação das verdades divinas reveladas. Assim, o homem não apenas
reprimiu tal verdade, mas trouxe o erro e criou sua religião. Nesse tipo de
religião, pode até haver certos elementos de verdade, certos padrões éticos,
termos que por vezes são semelhantes aos da Bíblia, mas, na verdade, são
apenas ilusões, nada que possa de fato salvar. No caso da religião
humanista, há um desprezo para com a Bíblia. Essa religião não aceita as
ideias teológicas envolvendo a questão do pecado, da necessidade da
justificação pela fé por meio da morte de Cristo como o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo (Jo 1.29).
O sistema religioso possui coisas boas, como a prática de fazer o bem;
destaca aspectos éticos e morais; têm seus ritos, boas obras, ações
comunitárias, reformas sociais; porém, nada disso salva, posto que a
salvação é resultado da fé em Cristo Jesus e na sua obra salvífica, que gera
um relacionamento perfeito com Deus e concede a verdadeira vida eterna
(Rm 5.1,2).
A religião atinge o que a tecnologia não pode atingir, o que a
racionalidade não pode dar: a paz e o conforto para a alma. Entretanto, é
preciso levar em consideração que existe a religião que segue os princípios
exarados na Palavra, mas existe também a religião natural, a qual é produto
do homem, cuja base é o egoísmo humano, ela está totalmente diante de
Deus, quem falou dela foi o apóstolo Paulo (Rm 1.23). Ela pode envolver a
crença em um deus ou deuses e ensina que por meio dos esforços humanos
pode se chegar a Deus. Assim, qualquer coisa pode tornar-se religião.
Afirmamos categoricamente que o cristianismo verdadeiro não é religião,
mas trata-se de um relacionamento firmado entre Deus e o homem por
meio do sangue de Cristo Jesus, pelo qual fomos perdoados (1 Pe 1.18,19;
Hb 9.22).
(Livro: A CARREIRA QUE NOS ESTÁ PROPOSTA, p. 24, 25.
Portanto não venham afirmar falsamente que o cristianismo é uma religião moral pois vai além disso conforme o trecho do livro citado.