BICENTENÁRIO丨Fragmentos da Independência: “Estamos separados de Portugal!”

Amanda Peruchi
Amanda Peruchi
Doutora em história e pesquisadora da história do Brasil do século XIX

Em 14 de agosto de 1822, D. Pedro, acompanhado de uma pequena comitiva – formada por um secretário, dois criados, o jovem militar Francisco de Castro Canto e Melo e Francisco Gomes da Silva, o Chalaça –, deixou o Rio de Janeiro rumo a São Paulo. A exemplo de como procedera com os mineiros alguns meses antes, tratava-se de uma investida para acalmar o ânimo dos paulistas e afastar as ideias separatistas, que ganhavam cada vez mais força na província e que poderiam desintegrar o território do Brasil.

A capital da província, segundo Oliveira Lima em O movimento da Independência (1821-1822), era o “foco da política patriótica e as dificuldades por vencer serviam para consolidar a autoridade e a popularidade do Príncipe”. Nessa época, além disso, o vale do Paraíba – rota da viagem do Príncipe – era um dos principais motores econômicos do Brasil; ali todos aqueles que produziam café vinham prosperando, por isso era um lugar ideal para D. Pedro firmar alianças e receber apoio financeiro.

No dia anterior a sua partida, por meio de um decreto, o Príncipe determinou que em sua ausência a Princesa Leopoldina presidiria ao despacho de expediente e às sessões do Conselho de Estado, transformando-a, assim, na Regente do Brasil. A futura Imperatriz, de fato, vinha participando ativamente das discussões que antecederam a emancipação do Brasil, sobretudo após o Dia do Fico, e teve papel decisivo no próprio grito de D. Pedro às margens do rio Ipiranga – como veremos adiante.

No primeiro dia de viagem, D. Pedro e sua escolta partiram da Quinta da Boa Vista, com destino a São Paulo, pela Real Estrada de Santa Cruz; após percorrerem onze léguas, aproximadamente, pousaram na fazenda de Santa Cruz – residência de verão da família real. No dia 15, a comitiva ainda se encontrava na província do Rio de Janeiro e fez uma segunda parada na fazenda da Olaria (hoje submersa pela represa de Lajes).

Em território paulista, o Príncipe e seus companheiros de viagem entraram no dia 16 e se dirigiram, primeiramente, para a fazenda das Três Barras, em Bananal. Por onde passava, D. Pedro conversava com os moradores e conquistava adeptos à “causa do Brasil”. Depois de passar por Bom Jesus do Bananal e São João do Barreiro, o Príncipe dormiu em São Miguel das Areias e dali partiu com novos animais e com uma Guarda de Honra – formada por moradores do vale do Paraíba –, a qual, registrou Oliveira Lima, o seguiu durante toda a sua “feliz excursão”.

Entre os dias 17 e 18, D. Pedro visitou a vila de Silveiras, jantou no Porto de Santo Antônio da Cachoeira e chegou a Lorena, onde dissolveu o governo provisório e assumiu efetivamente o governo da província de São Paulo. Em Guaratinguetá, pousou no dia 19 e recebeu cavalgaduras para toda a sua comitiva – sempre mais numerosa. Na manhã seguinte, antes de dirigir-se à Pindamonhangaba, o Príncipe passou pela capela de Nossa Senhora Aparecida; já nesse tempo o local era um ponto de peregrinação católica – o pequeno templo havia sido erguido em 1745, justamente para abrigar a imagem da santa encontrada em 1717.

No dia 21, D. Pedro seguiu o roteiro da sua viagem, chegando em São Francisco das Chagas de Taubaté, onde foi recebido com grande efusão, e, no dia seguinte, chegou à vila de Nossa Senhora da Conceição do Rio Paraíba de Jacareí. Depois de passar por São José do Paraíba, chegou à vila de Santana de Mogi das Cruzes. Ali, recusou-se a receber os emissários do governo paulista recém-dissolvido e nomeou o Marechal Cândido Xavier de Almeida e Sousa para Governador das Armas de São Paulo. Em 24 de agosto de 1822, após 10 dias de viagem e percorridos mais de 630 km, D. Pedro fez uma última parada, em Penha de França, antes de chegar a São Paulo. Na manhã de 25, ele participou da missa na capela de Nossa Senhora da Penha e partiu para a capital da província, onde permaneceu alguns dias, participando de missas na Sé e recebendo o povo e autoridades em cerimônias de beija-mão.

Enquanto D. Pedro viajava pelo vale do Paraíba e conhecia mais de perto os moradores da região, no Rio de Janeiro, Leopoldina recebia cartas remetidas de Lisboa e deliberava, junto do Conselho do Estado, sobre importantes assuntos para o futuro do Brasil – como, por exemplo, o cancelamento da festa que comemoraria a Revolução do Porto ocorrida em 1820. Por meio dessas cartas, a Princesa foi informada que 14 batalhões embarcariam em três naus em direção ao Brasil, uma vez que o Príncipe não atendera a determinação das Cortes: voltar a Portugal e rebaixar o Brasil ao estatuto de colônia.

Assim, em 2 de setembro de 1822, a Princesa se reuniu com o Conselho do Estado e todos concluíram que havia chegado a hora. Em carta enviada a D. Pedro – e por ele recebida cinco dias depois da reunião –, Leopoldina o avisava:

O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. […] Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. Tereis apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão, nada podem fazer.

Em São Paulo, por sua vez, após a pacificação da província, D. Pedro ordenou a realização de novas eleições para os cargos do governo recém-deposto. Ao tempo que aguardava a preparação dos paulistas, e ainda desconhecendo o que se passava no Rio de Janeiro, o Príncipe partiu para a cidade de Santos, em 5 de setembro, a fim de inspecionar as defesas do porto e visitar a família dos irmãos Andrada – naturais da cidade.

De regresso a São Paulo, no sábado, por volta das 16 horas, no dia 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro e sua comitiva se encontravam no alto da colina, próximo do riacho do Ipiranga, dois cavaleiros foram ao seu encontro e entregaram-lhe diversas correspondências. Do Rio de Janeiro, recebia cartas de sua esposa Leopoldina, de José Bonifácio e de Chamberlain, e de Lisboa, uma carta de seu pai D. João VI e outra das Cortes, exigindo o seu retorno imediato e a prisão de José Bonifácio.

Ao terminar de ler as correspondências, D. Pedro comunicou a sua comitiva que as Cortes queriam “massacrar” o Brasil; era, pois, chegada a hora da emancipação. Às margens do riacho Ipiranga e diante de seus auxiliares e da sua Guarda de Honra, o Príncipe separou o Brasil do Reino de Portugal com os seguintes dizeres:

Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil. Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte! Estamos separados de Portugal!

D. Pedro, assim, realizou o sonho de vários moradores do Brasil e deu início ao primeiro e único império em terras americanas.

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