BICENTENÁRIO丨Fragmentos da Independência: as províncias discordantes

Amanda Peruchi
Amanda Peruchi
Doutora em história e pesquisadora da história do Brasil do século XIX

Três meses, aproximadamente, separam a aceitação de D. Pedro quanto ao título de “Defensor Perpétuo do Brasil” e a sua viagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo, que culminaria na nossa emancipação política. Nesse meio tempo, o Príncipe Regente convocou a Assembleia Geral Constituinte, ganhou apoio de uma ala política até então mais resistente à sua liderança e viu aumentar o apoio dos moradores das províncias de Goiás, Rio Grande do Norte e São Pedro do Rio Grande – todas localizadas na parte meridional do Brasil.

Todavia, se a convocação da Assembleia Constituinte indicava, em certa medida, a inevitável separação de Portugal – visto que o Brasil não mais precisaria se reportar às Cortes de Lisboa – e agradava os habitantes de algumas províncias, em outras tal contentamento não se repetia. Nessas províncias discordantes, a propósito, ou seus moradores ainda se encontravam divididos e não se posicionavam em favor da “causa do Brasil”, ou já tinham se rebelado contra qualquer autoridade que não fosse advinda das Cortes de Lisboa e do El Rei Constitucional, D. João VI, ocasionando muitas batalhas entre janeiro de 1822 e agosto de 1823.

Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará, por exemplo, foram palcos de verdadeiras contendas entre as tropas locais e as portuguesas. Uma das principais reclamações dos moradores dessas localidades era a distância que as separavam do Rio de Janeiro – a provável sede do futuro Império do Brasil –, uma vez que, embora estivesse do outro lado do Atlântico, Lisboa estava mais perto. Por diversas vezes, inclusive, essas províncias chegaram a sugerir que a sede se deslocasse para a região setentrional, alegando que, com isso, já passariam a apoiar D. Pedro e a separação. Tais reclamações, é verdade, parecem muito mais dores de cotovelo pelo fato de elas não serem protagonistas do Brasil que se formava, do que convicção e lealdade aos portugueses.

Seja como for, intensas batalhas foram travadas antes e depois da Proclamação da Independência. Em Salvador, capital da Bahia, desde a proclamação do Dia do Fico, o Governador das Armas, Inácio Luís Madeira de Melo, comandava as tropas portuguesas contra os locais que os queriam expulsar. Ali, um dos episódios mais marcantes ocorreu quando um grupo português, antes mesmo do grito de D. Pedro, invadiu o Convento da Lapa e assassinou a abadessa Sóror Joana Angélica, considerada a primeira mártir do levante baiano. Salvador só se rendeu e aderiu a “causa do Brasil” depois de as tropas fiéis a Portugal serem derrotadas pelo militar Thomas Cochrane – contratado para liderar os locais contra os portugueses – em 2 de julho de 1823.

No Maranhão, do mesmo modo, onde os proprietários de terra tinham fácil acesso ao porto de Lisboa e, por isso, mantinham intensa relação comercial com os portugueses, houve igual, ou ainda maior, resistência. A capital da província, São Luís, também só foi dominada após ser bloqueada pelo mar e ameaçada de bombardeio pela esquadra de Cochrane, aderindo à Independência em 28 de julho de 1823.

Por se tratar de lugares distantes do Rio de Janeiro, o Príncipe Regente não pôde agir quando soube da insatisfação e de uma possível revolta armada dos mineiros. Além disso, as notícias demoravam para chegar e não se sabia ao certo em que pé se encontravam os conflitos. De fato, foi somente após a Independência que D. Pedro apoiou mais efetivamente os locais, a fim de dispersar os adeptos portugueses, conquistar todo o apoio possível e, por conseguinte, manter a unidade territorial.

Se não era possível partir em viagem às províncias setentrionais, não se pode dizer o mesmo quanto à província de São Paulo. Por essa razão, assim que soube que os ânimos dos paulistas estavam aflorados devido a algumas de suas recentes determinações, o Príncipe Regente, por sugestão de José Bonifácio – é claro –, colocou em prática a mesma estratégia usada anteriormente: dirigiu-se à cidade de São Paulo, passando pelos fazendeiros da atual região do vale do Paraíba, a fim de acalmar o espírito dos paulistas. Tal viagem, como veremos a seguir, foi o último caminho traçado por D. Pedro antes de finalmente vociferar “Independência ou Morte!”

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