VITOR MARCOLIN | Tiradentes e Cabral

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Bêbados no topo da ladeira

No Brasil, depois dos imperativos do calendário litúrgico católico da Páscoa — observados com cada vez menos afinco pelos fiéis –, há no calendário civil duas datas mui importantes: Tiradentes e Cabral. É lição passada no primeiríssimo ano do encantador Ensino Fundamental: 21 de abril, Tiradentes; 22 de abril, descobrimento do Brasil. Pelo menos com a memória de Cabral temos nós a tradição de citá-lo, em tom de louvor heroico, desde muito antes do Segundo Reinado – quando se começou a cristalizar os símbolos pátrios.

Com Tiradentes, entretanto, a coisa já é diversa. As alcunhas ignominiosas de “infame conspirador”, “execrável traidor” e “vil revolucionário” só deixaram de produzir efeito negativo sobre a memória do alferes mineiro depois de consumada a sua grande idealização: o advento da República no Brasil. Sim, Joaquim José da Silva Xavier é um mito saído das forjas daqueles que venceram: os conspiradores, traidores e revolucionários. Nada mais natural que aqueles que empunham a espada – ou o fuzil – empunhem também a pena que escreve e reescreve a História. Tiradentes é um símbolo da República.  

Seja como for, sejam quais forem os heróis, sábios e santos que uma vez foram recordados – recordar não é a mesma coisa que lembrar – pelos seus grandes feitos, a verdade sobre eles é unívoca: são indistintamente conspiradores, execráveis e vis. Todos. Indistintamente. Eis o paradigma da linguagem historiográfica pós-moderna. Querem a todo custo inculcar em nossas cabeças que não mais precisamos de heróis, sábios e santos; que nunca, a bem da verdade, precisamos de heróis, sábios e santos; que é uma insensatez sem tamanho suspeitar que os heróis, os sábios e os santos alguma vez contribuíram positivamente com a humanidade.

Será que é verdade? Claro que é! Só precisamos mesmo dos conselhos, do juízo e das diretrizes do acadêmico ateu – ou agnóstico –, do jornalista cínico e de qualquer outro que faça as vezes de mediador e intérprete dos revolucionários. Perceba, leitor, que não carecemos nem mesmo de Deus; pois o vácuo da sua ausência foi preenchido pela narrativa político-científica da vez. O tédio da piada é um sinal óbvio de que vivemos tempos sombrios. É evidente que precisamos de heróis, desejamos sábios e carecemos de santos. Eles perfazem as fileiras dos bravos que levam a humanidade para frente, em direção ao máximo progresso; e para cima, na direção exclusiva dos céus.

A realidade, no entanto, é amiúde mais complexa do que imaginamos: as figuras de destaque podem – e são — usadas como instrumentos dos partidos, das narrativas, das ideologias. É natural que seja assim. Prova disto é Tiradentes. Antes de ter o seu retrato – cuja fisionomia foi astuciosamente projetada para que se parecesse com Jesus Christo – encimando os quadros-negros das escolas primárias do Brasil, o personagem já era cultuado nas lojas maçônicas e nos bastidores do incipiente poder republicano. O problema, como se vê, não é o herói, mas a causa que o dito cujo serve e representa: é a causa do sujeito que, depois de brigar com a mulher, refugia-se por cinco horas no boteco da esquina – o boteco fica no topo de uma ladeira, daí que a volta pra casa será difícil…

***

“!QUE DIFÍCIL ÉS

CUANDO TODO BAJA

NO BAJAR TAMBIÉN!”

Antonio Machado

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