VITOR MARCOLIN | Quaresma

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Como não sou Zeus e como ainda não tenho a coragem dos despretensiosos, faltei à Missa das Cinzas; não ouvi, entrecortado pelos acordes dissonantes e pelas vozes desafinadas do coro prescindível de velhinhas, o “porque tu és pó, e ao pó hás de voltar”. Nem sonho mais em ouvir o sacerdote proferir as palavras do Gênesis em latim — é só um belo acessório. Culpado e cansado, assaz cansado, escrevo qualquer coisa na barra de pesquisa do Google e, em cinco segundos, encontro-a. É a meditação que não fiz, que deixei para depois e que, mesmo assim, ainda vale, sempre vale — como o efeito do perdão num coração arrependido. O autor da reflexão quaresmal não é nenhum padre conhecido, não é nem mesmo padre; é um poeta — e dos antigos (daqueles que se preocupavam com as coisas perenes) [e não tinham a pretensão de servir ao mundo… material].

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta piedade me despido;
Antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida já cobrada,
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

***

Gregório de Matos Guerra (1636-1696), o “Boca do Inferno”.


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