FILOSOFIA INTEGRAL | O que caracteriza a dialética marxista

Sobre dialética, é muito comum referir-se a ela como sinônimo de debate. Nos meios intelectualizados, costuma-se dizer que as partes mantêm uma dialética quando se quer exprimir simplesmente que elas estão discutindo algum assunto. Junto a isso há uma crença estabelecida de que essas discussões “dialéticas” sempre trazem algum bom resultado. Acredita-se que o simples fato de haver discussão levar-se-á a um produto melhor. Inclusive, há uma certa veneração ao debate como necessário à evolução das coisas.

A dialética tornou-se essencial à visão de mundo dos marxistas exatamente porque, segundo o conceito que defendem, ela definiria o processo de desenvolvimento de tudo. Compreendê-la, portanto, significa penetrar no âmago do pensamento esquerdista.

Antes, porém, dos progressistas adotarem a dialética como base de sua concepção da realidade, já havia mais de mil anos de conhecimento sobre ela. Desde os antigos filósofos gregos fala-se de dialética. Mas seria ela a mesma apregoada pelos marxistas?

Alguns estudiosos acreditam que a dialética fora concebida por Parmênides, outros dizem que fora Zenão, outros ainda a atribuem a Heródoto. No entanto, seu formato, como o herdamos, ficou estabelecido em Sócrates e depois categorizado por Aristóteles.

Sócrates, ao desenvolver seus pensamentos, costumava usar o diálogo. O que ele fazia, de fato, era propor algumas perguntas e afirmações e suscitar no interlocutor algum tipo de manifestação, que podia ser desde a mera concordância ou (o que Sócrates adorava!) alguma contestação. Com as ideias postas, ele buscava fazer as inferências necessárias delas, esclarecendo cada vez mais o tema proposto. Por exemplo, ele perguntava: “O que é a justiça?”, então, levantava algumas hipóteses, estabelecia quais eram certas e, a partir delas, por indução, ia conduzindo o raciocínio. As ideias não precisavam, necessariamente, entrar em conflito. Às vezes, elas estavam de acordo, às vezes se completavam e, outras vezes, se opunham. Vê-se, portanto, que o conflito não era a regra.

Mais do que um debate entre pessoas, a dialética era uma confrontação (não necessariamente no sentido conflitivo) de ideias. Tanto que é bem possível fazer um movimento dialético sem um interlocutor real, dentro da própria mente do proponente. As ideias diante umas das outras é o que importava, não as pessoas. É como se elas fossem colocadas sobre a mesa para que se decidisse quais seriam descartadas, quais aproveitadas e quais consertadas. As que sobrevivessem tornavam-se premissas para a sequência dos raciocínios.

Os raciocínios dialéticos, apesar de obedecerem o método da inferência, não criavam nenhuma nova realidade. Pelo contrário, o inferido tinha o caráter de esclarecimento, ou seja, de revelação da verdade, daquilo que ainda não estava claro, que estava oculto.

Aristóteles deu o caráter definitivo à dialética ao identificá-la à busca da verdade. O que ele estava propondo é que nela haveria uma insinuação de ideias em torno da verdade, como se dançassem ao redor dela. Sendo assim, é um requisito da dialética aristotélica que as partes estejam de boa vontade no processo. Se houver, entre elas, um intuito conflitivo, um desejo de impor a própria opinião, a dialética fica prejudicada, já que não haverá aquele movimento benevolente em busca do conhecimento.

A dialética grega, com efeito, não era um processo criativo, mas revelatório; um método para fazer surgir a verdade, ou seja, fazer aparecer uma realidade já existente. Por isso, diz-se que tanto em Platão como em Aristóteles ela era um processo de esclarecimento.

A mudança do conceito da perspectiva sobre a dialética vai ocorrer com Hegel. Nele, ela se transforma não em uma via para o esclarecimento, mas em um processo de desenvolvimento da própria realidade. O que era um movimento centrípeto, em direção à verdade, transforma-se em centrífugo, de criação de novas realidades.

A dialética hegeliana pressupõe que toda ideia possui, em si mesma, uma contradição. Esta contradição gera um conflito, o qual terá como resultado uma nova ideia superior à anterior. Esta nova ideia já nasce com sua contradição, que gera um outro conflito, que gera uma nova ideia e assim indefinidamente. Tem-se, com isso, um processo espiralado e ascendente. Assim, há, na concepção dialética hegeliana, um evidente conteúdo progressista, apesar de conter também um elemento conservador. Isso porque, ao mesmo tempo que ela indica uma evolução constante, também considera que as verdades superadas pelo novo não são descartadas, mas nele absorvidas. O que, porém, a diferencia da dialética grega é seu caráter criativo. Se, para os gregos, ela revela a verdade, para Hegel gera realidades.

Hegel criou uma legião de seguidores. Na verdade, na Alemanha do século XIX, todos os jovens instruídos eram hegelianos. Karl Marx era mais um entre eles e assumiu a dialética hegeliana como a explicação do processo de desenvolvimento da realidade. Porém, o fator distintivo de sua visão do processo dialético, herdado de outro hegeliano, Feuerbach, foi sua materialização. Para Marx, que entendia que tudo era matéria, a dialética constituía o processo de desenvolvimento de tudo, inclusive da história, da sociedade e da economia.

O que vai diferenciar o processo dialético marxista do hegeliano, além de sua aplicação ao mundo material, é o seu caráter essencialmente revolucionário. A dialética, dentro da tradição marxista, acabou se estabelecendo como um processo gerador de novas realidades, mas, diferente de Hegel, e mesmo de Feuerbach, o caráter de preservação é abandonado e estabelece-se que o novo gerado descarta o velho superado. Os filósofos ortodoxos comunistas vão afirmar que o antigo fica caduco e é totalmente deixado para trás.

É verdade que os marxistas mais intelectualizados vão sempre tentar resgatar a dialética à maneira hegeliana, tentando manter parte de seu caráter conservador. No entanto, a visão mais dogmática marxista vai ser radical em tê-lo como um processo revolucionário, ou seja, como superação total do passado.

O fato é que a dialética marxista é essencialmente revolucionária e, acima de tudo, uma concepção da realidade que molda a visão que os progressistas têm sobre todas as coisas, afinal, para eles, ela está em tudo e explica a evolução de tudo. Portanto, quem quiser compreender uma mente progressista precisa entender o papel que a dialética tem na formação de sua inteligência.

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