VITOR MARCOLIN | O riso castiga os costumes

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Depois da Bíblia, um bom livro de piadas

Decidi ler uma coletânea de piadas do Ary Toledo e tive a impressão de que piada escrita não tem lá muita graça. Não. Quem inventou as piadas certamente não tinha em mente transcrevê-las; e, se tivesse, deve ter percebido no ato que a coisa escrita perde, pelo menos, metade do seu poder. Piada é como feitiço de druida ou praga de macumbeiro: tem de ser pronunciada com a totalidade das suas nuances, dos seus jogos fonéticos, das suas variações guturais. Ou, mais honestamente, é como a récita de uma oração sincera, na qual está presente, como diriam os tomistas, a atenção da Fé. Daí que não gostei do livro, talvez o tenha superestimado – ou subestimado, a depender da perspectiva.  

Seja como for, algumas das piadas do Ary eram um verdadeiro convite à reflexão.

“Burocracia

SE fosse criado no Brasil o ministério da burocracia, com certeza o ministro escolhido levaria 20 anos só para tomar posse!”

A dimensão política — com p minúsculo — da vida brasileira é uma fonte inesgotável de temas para a gozação, e o Ary entendia do assunto – nas duas acepções do termo que vêm à mente do leitor. Porque para um brasileiro a coisa mais fácil do mundo é achar graça no mentiroso cuja profissão consiste precisamente em esconder a sua falsidade. Não dá. Não é possível. E, ipso facto, é cômico. A bem da verdade é tragicômico, porque o perdedor é sempre quem ri; trocando em miúdos, é o povo que achincalha o careca manda-chuva (perdão, mas não consigo escrever “mandachuva”, é tão “contraintuitivo” que chega a doer) ao mesmo tempo em que se vê obrigado a obedecê-lo, sob o risco de sofrer seríssimas consequências.  

Aparentemente, pelo menos, não é só no Brasil que os cidadãos andam acabrunhados com a política. Talvez seja culpa do novo modelo de Estado que surgiu no Ocidente depois do “Renascimento”, refiro-me ao Estado Moderno. O sistema é o mesmo em praticamente todas as nações: Estado inchado, oneroso, ineficiente, conduzido por um bando de gastões hipócritas. O quadro é deprimente, mas Ary vê na divisão política do mundo e nas distâncias geográficas entre os países a solução perfeita para os casais empacados nos desafios do sacramento do matrimônio.

“Casais

Há casais que gostam de dormir em camas separadas, outros preferem quartos separados. Eu já prefiro países diferentes”.

Há uma quantidade imensa de escritos jocosos sobre comportamento, sexo, religião, política e vida cotidiana compilados neste livrinho delicioso do Ary que eu, por puro pudor, não quero – e talvez não possa – reproduzir aqui (as beatas de todas as idades agradecem). Os sinônimos engraçadíssimos que o homem descobriu para v… são de matar. Mas voltemos à política — sempre com p minúsculo –, porque, a fim de reproduzir a experiência do leitor com a realidade da triste Terra de Santa Cruz, o piadista-mor dá conselhos até sobre língua portuguesa.

“Verbo

Que bom seria se no brasil o verbo ‘roubar’ fosse conjugado assim: eu estou preso, tu estás preso, ele está preso…”

Por fim, Ary evidencia, com toda a fineza do seu talento, a sujeira, o cúmulo da sujeira do político corrupto.

“invasão

aquele cara era tão sujo, mas tão sujo, que tinha gente do mst querendo invadir as terrinhas que ele tinha debaixo das unhas”.

O livro traz uma plêiade de insights, de sacadas sobre novas perspectivas do ordinário que preenche o nosso cotidiano. O que é um crítico? “É o cara que conhece o s… mas não sabe t…!”, o que é uma minissaia? “É abajur de b…”, por que os canibais encarnam a confiança? … O humor nos faz um pouquinho – ou, como diria a Inês de Trás-os-Montes, um “bocadinho” — melhores; rir, gargalhar é salutar, é um santo remédio que nos cura das doenças da alma. Pelo menos da amargura do cotidiano. Mas deixemos de piada e vamos voltar à Bíblia. 

***


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2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns Sr. Vitor
    O texto é bom, no entanto, hoje o seu maior mérito foi encontrar do Ary Toledo três ou quatro piadas publicáveis.
    Grande abraço.

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