VITOR MARCOLIN | Memento Mori

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Carnaval e Quaresma

Em sua última coluna, o colega de redação Paulo Sanchotene brindou-nos com um divertidíssimo insight sobre a realidade carnavalesca tupiniquim: nosso ano novo – Sancho lembrou-nos que estamos em 523 d.C., isto é, “depois de Cabral” — começa depois do carnaval; portanto, sob a atmosfera de recolhimento e meditação dos Mistérios Dolorosos próprios da Quaresma. Ano novo aqui, claro, como sinônimo de tempo de trabalho, de luta, de labuta. E haveria tempo melhor para se dedicar à labuta do cotidiano, aos imperativos da própria realidade que no período mesmo no qual somos chamados a meditar na maior de todas as esperanças?

É necessário dizer que esta tendência, esta tentação quase irresistível que os escritores modernos têm para torcer o nariz a toda e qualquer referência à fé cristã na cultura é um dos frutos perniciosos da Revolução Francesa. Não obstante a eloquente realidade da Ressurreição, durante a Quaresma, colocar as pessoas sob uma atmosfera de introspecção necessária à contemplação daquilo que está se passando, elas ainda assim resistem. Negam-se a atender ao persuasivo chamado do amor sacrificial que de forma tão singular as atrai à conversão.

Desculpe o leitor a mudança de tom. Mas eu mesmo nunca testemunhei um desfile de carnaval pessoalmente; minha experiência com a folia é de segunda ou terceira mão. São os repórteres, blogueiros, youtubers, colunistas da internet e colegas distantes que vêm até mim trazendo os relatos da festança que antecede a Quaresma.

Obrigo-me a dizer honestamente que já me dou por satisfeito em ver e ouvir, de longe, o que se passa lá. É impossível separar o homem da sua moral. Toda ação humana é, necessária e rigorosamente, uma ação moral. Daí que se há pessoas que torcem o nariz para os resquícios da fé cristã na cultura, eu torço o nariz, numa franca reação de asco, às histórias cabulosas de carnaval. Imoral.

Mas alto lá! Ouço algum apressadinho esbravejar do outro lado: “Falso moralista!”. Por quê? Pergunto eu. Nunca fui disto, meu companheiro de viagem para o cemitério. Mantenho-me saudável, não obstante a lembrança cotidiana do meu destino inexorável: “Memento Mori”. Nunca tive — desculpando-me com os mais sensíveis — gonorreia, herpes genital, hepatite, sífilis, Aids ou desgraças do gênero. Deus me livre! A alegria indizível de alcançar o estado de graça necessário à comunhão na Quarta-Feira de Cinzas é a real dimensão dos nossos pecados. “Sei o que eu fiz e sei o que eu não fiz” deve ser uma meta de vida. A incerteza, quando prolongada, torna-se um risco.

***

“Porque tu és pó, e ao pó hás de voltar”.

Gn. III: 19

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