SANTO CONTO | Rosário no bolso

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

No espírito da Copa 2022

Ninguém viu quando ele fez o Sinal da Cruz antes que começassem as cobranças dos pênaltis, mas um fotógrafo mais atento enquadrou-o bem no momento em que ele deixava escapar do bolso um Rosário que começou a rezar mentalmente. Já havia começado, na verdade. Rezara o Creio e o Pai Nosso logo depois do empate aos 26 da prorrogação, e depois as três primeiras Aves Marias. Quando o soou o apito final, interrompeu as orações e foi em direção aos seus jogadores e a comissão técnica. Parabenizou a todos, fez a escolha dos cobradores, deu as instruções e disse as palavra motivacionais de praxe, orou com eles em roda, e voltou para as contas do seu Rosário. Ave Maria…

Seu time começou batendo, com um dos seus jogadores mais experientes. O homem foi tranquilo, cara de paisagem, olhar perdido para além da meta adversária, e meteu uma bomba no centro. O goleiro adversário pulou pra o canto esquerdo, gol. Cheia de graça…

Cobrança do outro lado. O técnico adversário mandou um novato estreante que tremeu só de ouvir seu nome encabeçando os cobradores. Antes de bater, buscou os olhos do goleiro, que não saíam da bola. Mirou a meta, chutou. Uma bola a meia altura no canto direito, chocha, defendida sem dificuldades. O Senhor é Convosco.

Nova cobrança do seu lado, nova bomba no centro, e de novo o goleiro pulou no canto esquerdo. Gol. Bendita sois Vós entre as mulheres…

Bomba do adversário no canto esquerdo. O goleiro até buscou, mas foi indefensável. Gol. E bendito é o fruto do Vosso ventre…

Cobrança do seu lado, rasteira venenosa no canto esquerdo. O goleiro adversário, dessa vez, escolheu o direito. Gol. Jesus.

O centroavante adversário bateu mal, bola meia-bomba entre o centro e o canto esquerdo, mas seu goleiro pulou no direito. Gol. Santa Maria, Mãe de Deus…

A melhor cobrança de todas, no canto esquerdo, que o deixou orgulhoso de seu meia. O goleiro adversário buscou, mas não achou. Gol. Rogai por nós pecadores…

E a pior cobrança de todas encerrou o jogo. Uma bomba do zagueiro adversário na trave esquerda.  Agora e na hora da nossa morte…

Festa e choro, cumprimentos, entrevistas, e as contas foram interrompidas de novo. Seriam terminadas mais tarde, no hotel. Tempos depois, quando uma repórter, referindo-se àquela vitória, perguntou-lhe se sempre levava o Rosário aos jogos, e se o usava como algum tipo de amuleto da sorte, ele respondeu que sim e que não, mas que rezava sempre. Amém.


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