SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Nós, os idiotas

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Life is a state of Mind” [President “Bobby” em Muito Além do Jardim (1979)]

Uma das facetas de ser humano é estarmos presos a uma bolha. Isso não é algo inventado por algoritmos de redes sociais. De fato, nossa individualidade é uma câmara-de-eco em que invariavelmente escutamos nada que não a nossa própria voz.

Agora, isso não significa que estamos necessariamente condenados a sermos idiotas.

Atenção: “idiota” não é obrigatoriamente um insulto. Segundo Eric Voegelin, trata-se, antes, de um termo técnico para designar o indivíduo incapaz de ir além de si; enclausurado em sua bolha pessoal.

A condição humana nos impõe uma verdadeira “armadilha de idiotas”. Felizmente, também nos oferece ferramentas para escaparmos dessa; ainda que jamais de forma definitiva.

É nesse exercício de transcendência que evoluímos como seres humanos. Precisamos, constantemente, buscar sair da nossa posição de idiota.

Uma das minhas colunas mensais na Revista Esmeril chama-se “Conversar é Pensar Junto” justamente porque “conversar” é um ato que demanda ir além de si. Qualquer “conversa”, para efetivamente ocorrer, necessita que os interlocutores alcancem um ao outro.

Enfim, idiotas são incapazes, dentre outras coisas, de “conversar”. Podem se comunicar, por certo; mas entre “comunicar” e “conversar” há uma distância.

Há diversos tipos de idiotas. Há quem seja idiota por questões físicas. Lamentavelmente, há defeitos neurológicos que impedem algumas pessoas de irem além das suas experiências individuais. Há, todavia, quem seja idiota mesmo tendo o corpo 100% saudável.

Agir como um idiota pode ocorrer com qualquer um a qualquer momento; é verdade. Porém, existem aqueles que, por algum motivo, não parecem conseguir superar a bolha.

Esses idiotas são os mais difíceis de entender. Eles são como os personagens do filme O Anjo Exterminador (1962) de Buñuel, que inexplicavelmente não conseguem sair de um quarto destrancado.

Pior, ao contrário do que ocorre no filme, eles podem ser igualmente difíceis de reconhecer! Há, contudo, meios para se reconhecê-los. Alguém que proveu dicas para tanto foi William Shakespeare[1].

Em Macbeth (Ato V, Cena V), o protagonista, desesperado pela morte da rainha, sua esposa, compara a vida a um idiota:


A vida não é mais que uma sombra errante, um mau ator
Que se pavoneia e se aflige no seu momento sobre o palco
E então nada mais se ouve. É uma história
Contada por um idiota, cheia de som e fúria,
Significando nada.[2]


Notas:

[1] Sinceramente, nunca entendi o motivo pelo qual William Shakespeare não ficou conhecido no mundo lusófono como Guilherme Tremelança. Oh! Que desperdício de oportunidade…

[2] Tradução de Rafael Rafaelli. No original:

Life’s but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more: it is a tale

Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.

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