VITOR MARCOLIN | Kafka

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

É impossível fugir do mistério

Poucos escritores atraíram tanto a atenção da crítica literária quanto Franz Kafka. Pudera. O autor de A metamorfose soube como poucos expressar a inquietação da condição humana, a angústia de se saber uma “metamorfose ambulante”. Explico. O “problema Kafka” está muito para além das infrutíferas discussões acerca de sua nacionalidade. Tcheco, austríaco ou alemão? Ou acerca do idioma com o qual redigiu as suas obras. Alemão ou dialeto austríaco? E por que não tcheco? O objeto do seu trabalho literário é a comunicação daquele tipo de confrontação dialética que existe no interior da alma humana e da qual ninguém pode escapar. É, portanto, a expressão do confronto do indivíduo com ele mesmo; com os mistérios que o assombram desde dentro.

Kafka é um reflexo perfeito da inquietação da sua época: durante a sua curta vida (1883-1924) no Império Austro-Húngaro, o escritor conseguiu, ainda que, levado por uma série de fatores, nem sempre consciente, pôr a sua literatura a serviço de uma causa fundamental. Kafka mostrou nos seus escritos uma análise bastante apurada daquilo que Camões chamou de “desconcerto do mundo”.

Raul Seixas, numa canção bastante conhecida, disse que, antes de ter “aquela velha opinião formada sobre tudo”, preferiria ser uma “metamorfose ambulante”. Não sei se o Maluco Beleza tinha a pretensão de fazer explanações metafísicas sobre a natureza humana – talvez tivesse –, mas a verdade é que podemos, sem prejuízos, dizer que a dinâmica da condição humana é necessariamente a dinâmica de uma metamorfose ambulante. E a relação de Kafka com isto, leitor sensível, não se limita ao trocadilho fácil do pobre Gregor Samsa.

“De fato, não entendo o que faço, pois não faço o que quero, mas o que detesto”. As palavras do Apóstolo, tomadas no seu sentido mais amplo, ajudam a solucionar o problema Kafka – ou a inflacioná-lo, a depender do ponto de vista. O homem carrega dentro de si uma plêiade de elementos contraditórios cuja confrontação dá a intensidade das suas reações frente à realidade da existência. É o estado de dúvida e o desafio de suportá-lo; é a hesitação frente ao imperativo de uma decisão; é a tensão entre o afeto e a opressão da família; é a decisão livre de praticar o mal mesmo quando as suas consequências são bastante conhecidas, … é o espanto que o despertar de sonhos intranquilos revela. Eis as nossas circunstâncias.

“o verdadeiro caminho passa por uma corda que não está esticada no alto, mas logo acima do chão. parece mais destinada a fazer tropeçar do que a ser trilhada”.

Franz Kafka

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