SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Dallagnol, 1988, e Tu

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

“Deltan foi picado pela serpente cujo ovo ajudou a chocar?” (A.Q.)


Poderiam ter cassado o mandato de um psolista eleito por força do quociente eleitoral. Não mudaria nada. As razões para declararem o Dallagnol inelegível são erradas. No fundo, trata-se de contenção de uma possível ameaça sem consideração pelos meios empregados; ainda que a vítima seja alguém vinculado ao regime supostamente ameaçado. Quem for visto como ameaça, pode ter fim semelhante.


Tu, leitor, és provavelmente opositor ao regime oitentoitista; pelo que este texto também é sobre ti. Esta coluna pode ainda ajudar eventuais leitores defensores do regime a entender o porquê de as nossas instituições estarem agindo errado – o que, ao fim e ao cabo, prejudica o próprio regime (e a todos nós brasileiros).

Primero, sim, Dallagnol, como todo o lavajatista, é representante do regime construído sobre a base da C.F./1988 (“oitentoitista”). É por isso que se vê fotos dele com Randolfe Rodrigues, declarações dele de apoio à Justiça Eleitoral, essas coisas. É também por isso que, por exemplo, o Israel Simões o coloca na companhia de “dórias, aécios, joices, mandetas, felipes mouras e santos cruzes [*recomendo a coluna dele; para lê-la, basta clicar no linque].

Agora, se é assim, por que, então, os lavajatistas seriam “odiados” pelo regime do qual fazem parte?

É porque a Lava-Jato [*aqui uso o nome em sentido amplo – uma referência ao espírito da operação; não, à operação em si] estava danificando o próprio regime. Se o regime encontra-se fragilizado a ponto de ver alguém como o Bolsonaro ser eleito presidente, muito disso se deve pelos efeitos decorrentes da Lava-Jato.

Para piorar, Dallagnol ainda tem o agravante de ser sinceramente cristão. Não pode. Portanto, no seu novo papel, ele continuava sendo uma ameaça ao regime que, no fundo, defende. A posição dele era bastante frágil, apesar da quantidade expressiva de votos que recebera.

Frise-se ser a votação do Dallagnol absolutamente irrelevante para o caso de sua cassação. A decisão do T.S.E. é absurda; porém, se o Tribunal estivesse certo, ele teria que ser cassado independentemente do resultado eleitoral. Falar em “calou-se a voz de 300k paranaenses” é sensacionalismo barato tão e simplesmente. Não ajuda em nada e ainda atrapalha.

Para se entender o que houve, quais os problemas da decisão, segue o que escrevi sobre o caso no dia da notícia:


[I] Segundo o relator do processo no T.S.E., a justificativa para a cassação de Dallagnol é a seguinte:  
 
Deltan exonerou-se do cargo com o intuito de frustrar a incidência de inelegibilidade da alínea ‘q’ [do art. 1º] da L.C. 64/1990 e, assim, disputar as Eleições 2022” 
 
Referida manobra impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP em seu desfavor viessem a gerar processos administrativos disciplinares” 
 
a prática de ato ilegal assume caráter de fraude à lei; … quem pretensamente renuncia a um cargo para, de forma dissimulada, contornar vedação estabelecida em lei, incorre em fraude à lei” (G1) 

Essa decisão foi unânime. O T.S.E., portanto, decidiu que procedimentos administrativos impedem para fins eleitorais o pedido de exoneração do cargo por juízes e promotores
 
[II] Em 2021, a C.G.U., no Manual de Processo Administrativo Disciplinar, informa o seguinte sobre esses procedimentos
 
os procedimentos disciplinares investigativos não dão origem a punições disciplinares” 
 
nesse tipo de procedimento, não são aplicáveis os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, até mesmo porque não há nenhum servidor público sendo formalmente acusado de ter cometido irregularidade” 
 
Apesar da importância de que se revestem os procedimentos em comento para a elucidação das eventuais irregularidades cometidas por servidores públicos, a Administração Pública não está obrigada a adotá-los antes de instaurar o processo disciplinar propriamente dita e, mesmo que os adote, não será obrigada a acolher as proposições dispostas em seus relatórios finais, haja vista que esses relatórios são de natureza meramente opinativa.” 

[III] A alínea ‘q’ do art. 1º da L.C. n.º 64/1990 fala expressamente apenas em inelegibilidade de “magistrados e… membros do Ministério Público… que tenham pedido exoneração… na pendência de processo administrativo disciplinar”. 

No caso do Dallagnol, não há reconhecidamente processo algum. Havia, apenas, a possibilidade de vir a ocorrer. Se fosse instaurado algum processo administrativo disciplinar (P.A.D.) contra ele, por força do texto legal expresso, a exoneração causaria a inelegibilidade. 

[IV] Dallagnol exonera-se antes. Os ministros do T.S.E. alegam ser presunção de falta
 
Ele se utilizou de subterfúgios para se esquivar de P.A.D. ou outros casos envolvendo suposta improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos. Tudo isso porque a gravidade dos fatos poderia levá-lo à demissão.” (BBC) 

Porém, reitera-se, havia o risco de um P.A.D. estar em andamento no prazo legal para que ele concorresse. Se ele estivesse respondendo a um P.A.D., Dallagnol estaria impedido de requerer a exoneração.  

[V] Diante do risco, a decisão de exonerar-se antes do processo e antes do prazo final para permitir a candidatura faz sentido. Faz sentido ainda que se estivesse seguro de sua inocência e de que os procedimentos e/ou os P.A.D. fossem concluir nesse sentido.  

[VI] No entanto, o T.S.E. resolveu jogar às favas a presunção de inocência. Dallagnol acabou sendo condenado pelo mérito, ainda que sem o devido processo legal

[VII] Pior, o T.S.E. acaba de promover, como ferramenta política, a instauração de meros procedimentos administrativos contra servidor que se torne candidato viável próximo às eleições.


Gostar ou não do Dallagnol, tê-lo como adversário ou aliado, considerá-lo amigo ou inimigo, o fato de ele ser o deputado mais votado do Paraná, nada disso interessa para a análise da decisão que o julgou inelegível. Ele poderia ser psolista eleito por força do quociente eleitoral do partido.

Não mudaria coisa alguma. A conclusão seria a mesma. Trata-se de um caso de abuso de poder; de mais um, diga-se.

O regime oitentoitista há tempos que abriu mão de qualquer auto-controle na luta que trava por sua sobrevivência. A Lava-Jato não deixaria de ser um exemplo disso; e isso jamais acaba bem. Porém, esses são temas para outras colunas.

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