BRUNA TORLAY丨Punição de juiz é ter férias remuneradas para sempre

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Não sei se rio ou se choro da notícia estampada hoje no G1: “CNJ pune juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual contra mulheres em SP, com aposentadoria compulsória”. Vamos aos motivos de riso e depois aos motivos de choro, honrando o senso de humor de Demócrito e a sábia melancolia de Heráclito de um só golpe.

Segundo a adesão ao último modismo criminal de jornalistas de habilidades semelhantes ao ChatGPT, não pode haver crime pior que o assédio sexual. Logo, todo assediador deve sofrer a pena mais drástica possível, de modo a carregar a estrela do crime hediondo maior sobre as próprias vestes. Mas a dita pena, no caso presente, é uma aposentadoria compulsória num cargo bem remunerado pago pelo contribuinte.

É agora que rimos, ou já podemos chorar?

Como lemos na matéria em destaque, “a aposentadoria compulsória é considerada a punição mais grave na magistratura. Outras punições previstas são: disponibilidade (não trabalha e fica afastado, mas é limitado a um período de tempo), remoção para outra unidade, censura ou advertência.” Um juiz de carreira, portanto, não é passível de punições REAIS. Ao invés disso, o sujeito ganha férias remuneradas. Ou vocês acreditam mesmo que há outra acepção possível para o eufemismo “aposentadoria compulsória”?

É óbvio que não estou minimamente preocupada sobre a veracidade ou falsidade da acusação de assédio; se é rinha de malucas em busca de atenção ou denúncia sólida com provas inequívocas – hoje em dia, nunca se sabe. Há pessoas que sofrem com assédio moral e sexual, e são lesadas pela incontinência passional de superiores. Isso existe, mas não é o que me preocupa aqui. Irrita-me que um juiz condenado por agir criminosamente enquanto juiz, e perante subordinados, seja premiado com férias remuneradas por isso.

Uma ex-colega espirituosa disse uma vez, a respeito da ameaça de greve de professores no ar: “ah, e se acabarem votando a greve, teremos férias remuneradas”. Eu adorei a expressão, porque no final das contas faz tempo que a greve em Universidades é exatamente isso. Não se trata de “pressionar o empregador”, mas usufruir do direito de receber sem trabalhar, enquanto se posa de sindicalista virtuoso lutando por condições melhores cujos efeitos hão de alcançar cada boa alma do povo.

É óbvio que não é assim. Na prática, desde que pisei na Universidade pública, aos 19 anos no ano 2000, greve significa férias remuneradas aos professores e funcionários, e tempo extra de estudo aos alunos minimamente conscientes – para a parte negligente, significa férias antecipadas com redução de calendário mesmo. Vão dizer que há corte nos salários? Às vezes, apenas dos agitadores e, ainda por cima, após o terceiro mês consecutivo de paralisação. Com reposição no final da greve. Coleguinhas de magistério, isso não é o que acontece com gente normal, sem os privilégios do serviço público. Quando não trabalhamos, simplesmente não recebemos. A vida normal é assim.

Agora vejam vocês, meus leitores, se é JUSTO que nós, nós, NÓS, paguemos o salário de um imprestável, que perdeu função no Judiciário por não saber conter os ânimos durante o expediente, enquanto ele fica “aposentado” em casa? São 32 mil reais por mês no bolso de um concursado afastado das funções. Isso não é punição; mas privilégio disfarçado. E que se fará disso? NADA.

Está aí mais um componente da diluição dos laços de amizade do povo brasileiro: quanto mais sabemos que nos ferramos trabalhando de sol a sol para transferir parte grossa dos ganhos à casta privilegiada dos servidores públicos de qualquer dos três poderes, mais os odiamos. É inviável respeitar juízes que ACEITEM dar a seus colegas privilégios, quando eles incorrem em crimes e erros de toda espécie, em vez de simplesmente EXONERÁ-LOS.

O fato de todo juiz ser punido, no máximo com “aposentadoria compulsória”, calculada segundo o salário atual, é em si a prova de falência do judiciário. Afinal, a vitória do corporativismo é necessariamente o fracasso da justiça em todas as suas instâncias. Nessas condições, é imperativo odiar o Estado.

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