SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Centenário de uma Guerra

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

“Borges de Medeiros, presiditador gaúcho”


O ano de 2023 marca o centenário da última guerra civil gaúcha, entre chimangos e maragatos/federalistas. A coluna desta semana homenageia o aniversário relebrando uma anedota, possivelmente lendária, ainda que verossímil, e trazendo uma piada que exprime algo do espírito sul-riograndense.


Grosso modo, o Rio Grande do Sul esteve em guerra civil de 1893 a 1923. Houve períodos de “guerra fria”, mas as animosidades duraram três décadas: da “Revolta da Degola” à “Revolução Federalista”.

Aliás, se não fosse o golpe de 1930, é possível que o conflito voltasse a esquentar, ainda que ao fim de 1923 tenha havido um oficial tratado de paz: o Tratado de Pedras Altas. De qualquer sorte, os últimos confrontos abertos ocorreram em 1923.

O estopim foi a eleição de 1922 que reelegera Borges de Medeiros presidente do estado. Borges governava o RS desde 1913. Seu partido, o P.R.R., governara praticamente ininterruptamente desde o golpe republicano de 1889.

Em 1922, a oposição uniu-se contra Borges. Durante a campanha até o pleito, as autoridades jogaram sujo em favor do governador. A polícia prendeu partidários de Joaquim Francisco de Assis Brasil, enquanto permitia defensores do governo agredir abertamente opositores.

Ainda assim, reza a lenda que, contados os votos, a oposição vencera. As autoridades eleitorais então se dirigiram ao palácio presidencial para informar Borges da derrota. Chegando  lá, foram recebidos por um animado presidente:

— Camaradas, bem-vindos! Estava aqui esperando quando chegaríeis para informar-me de nossa vitória.

Fez-se silêncio.

— Ora, não há necessidade nenhuma de protocolo. Estamos entre amigos. Bastai-me dizer de quanto vencemos e dou-me por informado. Podeis cuidar dos papéis quando retornardes ao prédio eleitoral.

— Mil perdões, excelência. Realmente queremos fazer isto de acordo com o protocolo. Infelizmente, demo-nos conta que chegamos aqui despreparados. Pedimos-lhe escusas pelo tempo perdido. Em breve, retornaremos com a informação requisitada.

Algumas horas mais tarde, a comitiva retornou ao palácio com o resultado final devidamente oficializado.

— Presidente, missão dada é missão cumprida.

Borges foi reeleito.

Quando do tratado de Pedras Altas, houve muitos compatriotas de outros estados que queriam entender como esse imbróglio todo havia começado. Imagino que a explicação tenha sido na linha desta história que segue abaixo:

O COMEÇO DA BRIGA
Aparício Silva Rillo


— O senhor foi intimado para depor sobre a violenta briga acontecido ontem no seu armazém no Iguariaçá. Três mortos, oito feridos, um horror.

— No meu bolicho, seu delegado. Quem sou eu para ter armazém? Armazém é do turco Salim, que foi mascate. Por sinal que…

— Não se desvie do assunto. Como e por que começou a briga?

— Bueno, pois historiemo a coisa. Domingo, como o senhor sabe, o meu bolichote fica de gente que nem corvo em carniça de vaca atolada. O doutor entende: peonada no más, loucos por um trago, por uma charla sobre china. A minha canha é da pura, não batizo com água de poço como o turco Salim. Que por sinal…

— Continue, continue. Deixe o turco em paz.

— Pois então bamo reto que nem goela de joão-grande. Tavam uns quinze home tomando umas que outras, uns mascando salame pra enganar o bucho, quando chegou o Faca Feia. O senhor sabe, o índio é mais metido que dedo em nariz de piá. Deu um planchazo de adaga no balcão e perguntou se havia home no bolicho. Todo mundo coçou as bola. Home tem bola, o senhor sabe. O Lautério – que não é flor de cheirar com pouca venta – disse que era com ele mesmo, deu de mão numa tranca e rachou a cabeça do Faca Feia. Um contraparente do Faca não gostou do brinquedo e sentou a argola do mango no Lautério. Pegou no olho – lá nele – e o Lautério saiu ganindo como cusco que levou água fervendo pelo lombo. Um amigo do Lautério se botou no contraparente do Faca – que já tava batendo a perninha – e enfiou palmo e meio de ferro branco no sovaco do cujo, que lo chamam Pé de Sarna. Um irmão do Sarna, acho que chateado com aquilo, pegou um peso de cinco quilos da balança e achatou a cabeça do homem que faqueou o Sarna. Os óio saltaram, seu doutor. E eu só olhando, achando tudo aquilo um tempo perdido. Um primo do homem do ferro branco rebuscou um machado no galpão e golpeou o irmão do Sarna. Errou a cabeça, só conseguiu atorar o braço do vivente. Aí eu fui ficando nervoso, puxei meu berro pro mole da barriga, pronto pra um quero. Meu bolicho é casa de respeito, seu delegado, e a brincadeira já estava ficando pesada. Mas bueno, foi entonces que o Miguelão se alevantou do banco, palmeou uma carneadeira, chegou por trás do homem do machado, pé que te pé, grudou ele pelas melena e degolou o vivente num talho a coisa mais linda. O sangue jorrou longe como mijada de colhudo. Aí eu e mais uns outros tudo home de respeito – se arrevoltemo com aquilo. Brinquedo tem hora, o senhor não acha?

— Acho, sim. Mas e aí?

— Pois, como lhe disse, nós se arrevoltemo. Saquemos os talher. E foi aí que começou a briga

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