SANQUIXOTENE DE LA PANÇA丨Eu Acredito em Papai Noel (Esmeril, 12.2020)

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

A coluna saiu no dia 26/12, mas o Natal dura no mínimo até o dia 5/1. Então, ainda é tempo de se desejar “Feliz Natal”


A pedido da chefe, neste Natal republico texto da “Conversar é Pensar Junto” da edição de dezembro de 2020 da Esmeril. É uma conversa entre pai e filho sobre Papai Noel e o significado do Natal.


Personagens: Pai, Filho, e Mãe (não aparece)
Cenário: na sala de casa, o filho brinca no tapete quando o pai aparece.


– CENA –

[Pai] Já decidiste o que vais pedir de Natal para o Papai Noel?

[Filho] Ah, papai! Por favor. Não precisas falar assim. Eu não acredito mais em Papai Noel.

[Pai] Como assim?

[Filho] Papai Noel não existe.

[Pai] Mas claro que existe!

[Filho] Tu acreditas em Papai Noel?

[Pai] Obviamente!

[Filho] Não precisas mentir para mim.

[Pai] Não estou mentindo.

[Filho] Mas tu foste o Papai Noel no Natal passado!

[Pai] Fui. E o que eu te disse no dia seguinte quando tu me perguntaste sobre isso? Lembras?

[Filho] Que os pais ajudam ao Papai Noel entregar os presentes.

[Pai] E é verdade, não?

[Filho] Mas não é a mesma coisa!

[Pai] Por que não?

[Filho] Porque Papai Noel não existe!

[Pai] Capaz que não existe! Tanto existe que eu fui Papai Noel no ano passado.

[Filho] Mas eras tu. Não era o Papai Noel.

[Pai] Eu era o Papai Noel, não era?

[Filho] Papai, tu não me entendes!

[Pai] Te entendo perfeitamente. Tu és quem não está entendendo.

[Filho] Tu não és o Papai Noel. Tu és meu pai.

[Pai] No Natal, eu fui; não fui?

[Filho] Eu já disse: não é a mesma coisa!

[Pai] Filho, o ponto é que a existência do Papai Noel depende que acreditemos nele e que façamos o papel de Papai Noel. Como eu acredito em Papai Noel e ajo como Papai Noel, logo Papai Noel existe… através de mim.

[Filho] Mas tu não és o Papai Noel que vive no Pólo Norte, que tem a fábrica de brinquedos com os elfos, que voa num trenó com renas. Esse não existe!

[Pai] É o mesmo Papai Noel.

[Filho] Tu não me entendes!

[Pai] Hahahahaha! Eu te entendo perfeitamente. Já tive a tua idade. Já passei por isso. Tu podes não me entender agora, mas espero que um dia tu consigas.

[Filho] Eu só quero saber se eu escrever uma carta para o Papai Noel, ele recebe.

[Pai] Recebe.

[Filho] Não, outra pessoa; o Papai Noel de verdade.

[Pai] O Papai Noel é verdadeiro!

[Filho] Então, eu posso ir visitar o Papai Noel no Pólo Norte?

[Pai] Sim.

[Filho] Então, me leva!

[Pai] Eu te levo todas as vezes que te conto uma história de Natal, que lemos um livro de Natal ou que vemos um filme de Natal em que apareça o Papai Noel no Pólo Norte.

[Filho] Mas não é a mesma coisa!

[Pai] Mas são os únicos meios-de-transporte possíveis…

[Filho] Se Papai Noel existisse, mesmo, eu poderia ir .

[Pai] Ele existe, tanto que vem aqui. E já te mostrei como se pode fazer para ir .

[Filho] Como?

[Pai] Acreditando!

[Filho] Pára, paiê!

[Pai] Estou parado.

[Filho] Mas isso não faz sentido.

[Pai] Claro que faz!

[Filho] Como?

[Pai] Ora, se eu não acreditasse em Papai Noel, eu não poderia ser Papai Noel. Se ninguém acreditar em Papai Noel, ele deixa de existir. Porém, ainda que ninguém acredite em Papai Noel, Papai Noel segue sendo verdadeiro. Eu jamais menti para ti sobre isso.

[Filho] Estou confuso.

[Pai] Filho, eu vinha te dizendo por que e como Papai Noel existe. Agora, te falei que, mesmo se Papai Noel não existisse, ele ainda seria verdadeiro.

[Filho] Mas se algo não existe, como pode ser verdade?

[Pai] Hahahahahaha!

[Filho] O que foi?

[Pai] Muitos adultos não fazem essa pergunta. Excelente! Responder-ta-ei! [Que bonito, não? “Responder-ta-ei…” Depois te ensino isso. Chama-se mesóclise, mas não quero te confundir mais agora.] Primeiro, vamos deixar essa questão da existência ou não atual do Papai Noel de lado, um pouco. No mínimo, o Papai Noel que conhecemos hoje existiu.

[Filho] Sério?

[Pai] Sério! Ele é conhecido como São Nicolau. Foi Nicolau de Mira, há mais de 1.500 anos, quem teria começado a tradição de presentear as crianças no Natal. O dia dele é 6 de dezembro, o dia em que ele faleceu; que é quando começa o Natal.

(vindo de fora da sala, ouve-se a voz da mãe)

[Mãe] Não começa, não!

[Pai] … é quando começa OFICIALMENTE o Natal.* Ainda que aqui a gente comece a comemorar antes.

[Filho] Então, ele tinha uma barba branca, se vestia de vermelho…

[Pai] Não. Não. Quero dizer, quando velho é capaz que ele tenha ficado com barba branca; mas ele não começou isso velho. E apesar de ser inverno lá na Turquia agora, na cidade do São Nicolau não neva. O inverno é bem parecido com o nosso, até. Esse Papai Noel que tu descreves é uma imagem bem recente.

[Filho] Recente?

[Pai] Sim. A idéia que se tem do Papai Noel mudou com o tempo. O que não mudou é a questão de se dar presentes pelo Natal. É aí que está a verdade da coisa: a verdade do Papai Noel. Bem, uma das verdades do Papai Noel…

[Filho] Tem outras?

[Pai] Sim. Sabe esse negócio de “não dar presente” ou “dar carvão” para crianças mal-criadas?

[Filho] Sim.

[Pai] Buenas, a verdade disso está no fato de que a gente deve sempre tentar fazer o bem, fazer o certo. Entendes?

[Filho] Sim.

[Pai] Vou cobrar mais de ti, então.

[Filho] PAPAI!

[Pai] Hahahahaha! Não te preocupes. Não tem nada a ver com os presentes.

[Filho] Não?

[Pai] Não. Lembras daquela música: “o Bom Velhinho sempre vem”? Basta ver as crianças que tu conheces. Até aquelas mais mal-criadas ganham presentes no Natal, não ganham?

[Filho] Verdade! Ganham, sim.

[Pai] Pois então. Quem não recebe presentes são aquelas pessoas que, infelizmente, acabam de fora da verdade do Natal.

[Filho] Que triste.

[Pai] Bem triste. Mas é por isso mesmo que é importante acreditar no Papai Noel e agir como o Papai Noel, para que a verdade do Natal não seja esquecida e que possa chegar a mais pessoas. O Natal, não te esqueças, é uma festa de aniversário. Ganha-se presente no Natal – ou, como em certos países, no Dia de Reis, que é o último dia de Natal – porque esse aniversário…

[Filho] É de Jesus.

[Pai] Não. Quero dizer, sim. É. Estás certo. Mas não era isso o que eu ia dizer. A verdade do Natal, a verdade do Papai Noel, a razão para todos ganharmos presentes, aquilo que levou a São Nicolau a presentear as crianças, é que o aniversário do Natal é o aniversário de todo mundo.

[Filho] De todo mundo?

[Pai] SIM! Cada um de nós tem um dia próprio de aniversário. É um dia especial. Mas o Natal é ainda mais especial, pois é o dia em que todos estamos de aniversário juntos e ao mesmo tempo.

[Filho] Então, Natal é o meu aniversário?

[Pai] É. Afinal, é de todo mundo: teu; meu; da mamãe; dos teus irmãos; dos teus avós; das bisas; dos primos; dos tios; dos teus amigos… Bah! Se já é legal a festa de aniversário de um, imagina que tri é a festa de aniversário de todo mundo!

[Filho] Ninguém mais fala “tri”, pai!

[Pai] Eu falo, ué.

[Filho] Mas tu és velho.

[Pai] Velho? Vou te dar “velho”! Vem cá, sapeca!

[Filho] Hahahaha! Pára! Hahaha!! Pára! Estou sentindo cócegas!!!

[Pai] E se eu fosse mesmo velho, hein? Não contaria por isso?

[Filho] Hahahahaha!!! Sim! Hahaha! Contas, sim!!

[Pai] Não te esqueças que o Natal é aniversário até dos velhos! Todo mundo importa!

[Filho] Sim. Sim… Ha! Ha. Aaaahhh! Ufa… Sim. Entendi.

[Pai] É exatamente por isso que Papai Noel existe e é verdadeiro. Podes acreditar. Acredita em mim. Eu sou Papai Noel. Todos temos que ser Papai Noel. E isso é tri!

— FIM —


  • * Não é verdade que o Natal comece no dia 6/12. O tema é controverso. O Advento começa no quarto domingo anterior ao 25/12. Normalmente, é quando as festividades iniciam.

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