RESENHA | O Dever dos Monarquistas

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

A grandeza do maior dos Estadistas brasileiros

A coisa mais óbvia do mundo é a invocação dos mestres do assunto quando, em tais ou quais discussões, fala-se precisamente sobre o tal assunto. Mas no Brasil desgraçadamente o óbvio, a despeito de ser ululante, é impraticável. Veja-se os clássicos problemas que afetam o Brasil, por exemplo: instabilidade política, pobreza e analfabetismo funcional. Quem são os mestres de Brasil que deveriam, invariavelmente, ser invocados quando as discussões girassem em torno das problemáticas tupiniquins? 

A resposta é simplíssima: Gilberto Freyre, Rui Barbosa, Manuel de Oliveira Lima, Sérgio Buarque de Holanda, José Murilo de Carvalho, Antônio Cândido, Capistrano de Abreu, Pedro Calmon, Paulo Freire, Florestan Fernandes, Olavo de Carvalho e alguns outros. Honestamente, sem suprimir nomes por força de afinidades ideológicas rasteiras. “Gosto deste porque é ‘ético’ e educado”, “Não gosto daquele porque fuma e fala palavrão!”… Bem, vê-se quão rasteiras são as afinidades de algumas ideias.  

Às vezes a internet traz à baila velhas discussões. A questão da Monarquia é, frequentemente, objeto de discussão nas redes sociais. De um lado, há o nobre adolescente que ostenta, a título de imagem de capa, a bandeira imperial, e, como foto de perfil, o brasão do Império; e, do outro lado, seu oponente pode ser o fanático socialista que frequenta irregularmente o campus universitário. Monarquia X República. Um dos problemas, talvez a gênese de todos os problemas aqui implicados, é o fato de nenhuma das partes dominar a bibliografia mínima que garantiria substância para a defesa das suas respectivas teses.

Joaquim Nabuco (1849-1910) é um daqueles entendedores de Brasil que não podem faltar às discussões, sobretudo quando o objeto do debate é o regime de governo. Nabuco foi, sem penumbra de dúvida, um dos maiores estadistas da nossa História. Sua atuação na alta sociedade e na política brasileira durante as últimas décadas do Império foram determinantes para a extinção da escravidão. Seus escritos mais conhecidos – abstraindo-se o fato irônico de que praticamente ninguém, na escola, na universidade e na mídia, conhece o autor, porque dele jamais ouvem falar — são O Abolicionista e Minha Formação.

Há, no entanto, outro escrito do estadista no qual alguns dos principais elementos da sua visão política e social sobre o Brasil estão presentes. Refiro-me à carta que Nabuco escreveu ao Almirante Jaceguay precisamente no dia 10 de outubro de 1895, e que foi posteriormente publicada sob o título de “O Dever dos Monarquistas”. Nela, Joaquim Nabuco faz uma defesa contundente da Monarquia Constitucional como forma de governo.

O mote da carta é uma resposta ao já citado Almirante que havia interpelado Nabuco sobre o porquê de ainda permanecer monarquista depois da queda do regime para o golpe republicano de 15 de novembro de 1889. Jaceguay, como bom partidário do novo regime, esforça-se para defendê-lo; mas é verdadeiramente trucidado pela eloquência, erudição e sinceridade de Nabuco – sinceridade, porque o estadista deixa translúcido para o leitor as dimensões do amor que nutre pelo seu país. O autor da carta entendia como poucos os reais problemas do Brasil.

Nabuco fala sobre a questão racial; compara a realidade dos negros entre a República dos Estados Unidos, o Império do Brasil e as monarquias europeias. Se ele não foi o primeiro, certamente foi o mais notável intelectual brasileiro a expor, no final do século XIX, o racismo brutal sofrido pelos negros nos Estados Unidos. Num trecho da carta, ele diz, referindo-se à triste impossibilidade de ascensão social dos negros na “grande República do Norte” — os Estados Unidos:

“(…) Nos Estados Unidos, porém, seria acaso possível a um mulato, qualquer que fosse o seu gênio, chegar à posição, à quase realeza literária de um Alexandre Dumas em Paris?”.

Joaquim Nabuco era grande amigo de Machado de Assis, o escritor mulato reconhecido – ainda em vida – como um dos maiores artistas da língua portuguesa. No Brasil Imperial havia, indiscutivelmente, uma ascensão social real de negros e mestiços: no jornalismo, na literatura, na advocacia, na política, na engenharia, na medicina, no magistério, na ciência e no clero. Na vida social e cultural do Segundo Reinado não havia empecilhos intransponíveis para a ascensão do gênio, do talento. Se houvesse, nomes como os de Machado de Assis, André Rebouças, José Maria da Silva Paranhos, Eusébio de Queiroz, Joaquim Manuel de Macedo, Justiniano Rocha, Augusto Emílio Zaluar, João Caetano e outros membros da classe média mestiça em ascensão jamais seriam reconhecidos hoje.

Nabuco continua a carta enaltecendo as virtudes não somente sociais, mas também políticas da Monarquia. Em outro trecho, o estadista escreve:

“(…) Tenho por certo que a função benéfica da monarquia no Brasil foi esta: Descobrimento, conquista, povoamento, cristianização, edificação, plantio, organização, defesa do litoral, expulsão do estrangeiro, unificação e conservação do todo territorial; administração, estabilidade, uma ordem perfeita no interior; Independência, unidade política, sistema parlamentar, sentimento de liberdade, a altivez do caráter brasileiro, inviolabilidade da imprensa, força das oposições, direito das minorias; tirocínio, aptidão, a moralidade administrativa; a vocação política desinteressada; crédito, reputação, igualdade civil entre as raças, extinção pacífica da escravidão; glória militar, renúncia do direito de conquista, arbitramento internacional; cultura literária e científica a mais forte da América Latina; por último, — como o ideal realizado da democracia antiga, o governo do melhor homem – um reinado Pericleiano de meio século”.

Nabuco enaltece os valores políticos e sociais da Monarquia Brasileira que ele mesmo testemunhou – e participou ativamente. É nesta carta que lemos aquelas famosas – e proféticas — palavras sobre a tendência que o povo brasileiro terá para a Monarquia quanto maior for o seu desenvolvimento, a sua ascensão cultural.

“(…) o Brasil quanto mais civilizado mais tenderá para a monarquia, quanto mais bárbaro, mais se desinteressará dela”.

Ele louva ainda o sistema federativo monárquico que garantiu ao Brasil uma estabilidade política durante mais de meio século. Segundo Nabuco, a federação era possível com a Monarquia, “porque o chefe do Estado não tinha interesse, como têm os Presidentes da República, em anular a autonomia dos Estados em favor da eleição do seu sucessor e da permanência do seu partido”.

Por fim, Joaquim Nabuco conclui com uma lúcida e verdadeira reflexão, talvez a mais lúcida e verdadeira reflexão sobre o Brasil jamais feita pelos estadistas que o sucederam:

“(…) Sei que é tão difícil a restauração da Monarquia como é difícil a restauração da religião, da família, da sociedade. Em política, porém, nada é mais raro do que a faculdade de discernir o que está morto do que está apenas interrompido. Quem sabe por que misteriosa renovação não pode estar passando debaixo da terra brasileira a planta que tanto tempo lhe deu sombra?”.

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