MARCELO GONZAGA丨A influenza darwinista

Marcelo Gonzaga
Marcelo Gonzaga
Um simples professor e estudioso inconstante. Traduzi para o português as obras "A beleza salvará o mundo", de Gregory Wolfe, "Desejo Sexual", de Roger Scruton, e "Reflexões sobre a revolução na França", de Edmund Burke. Dei aulas de Inglês, Filosofia e História para alunos dos ensinos fundamental e médio, cursos livres sobre Filosofia e Literatura.

Após três meses de retiro espiritual, coletando informações e aprofundando reflexões para melhor entreter meus leitores (todos os seis), decidi que era hora de retornar. Tinha preparado todo um ataque às instituições democráticas, com raciocínios e insinuações que deixariam de cabelo em pé seus mais fervorosos defensores, mas caí vítima de uma séria enfermidade. A derrocada da sociedade tal qual conhecemos terá que esperar mais um pouco. Sem dúvida este é um assunto muito mais urgente, relevante e, surpreendentemente, subestimado por todos; uma variante específica da gripe que só atinge uma parcela específica da população mundial: a gripe masculina.

Acredito que já tenham todos percebido que a gripe não atinge igualmente todos os seres humanos. As mulheres gostam de se gabar dizendo que continuam plenamente funcionais quando gripadas, e continuam trabalhando, passeando e incomodando normalmente. Todo esse empoderamento, por admirável que possa parecer – Deus me livre –, é acompanhado de um terrível egoísmo; nossa ilustre protagonista espalha indiscriminadamente o vírus em todos os lugares por onde passa. Sexo frágil, o homem não tem a mesma sorte, ou a mesma segurança viral, e pensa em atualizar o testamento cada vez que sente o nariz congestionar, a garganta inflamar e o corpo doer. A diferença é tão brutal que deve ser o mais seguro teste de sexualidade conhecido. Se a moça em questão ficar derrubada no primeiro resfriado, desconfie de pirataria.

Até aqui, só fatos. E a causa? Onde estão os doutorados, os papers, o peer review, o método duplo-cego? Só o que temos até então são memes e um certo senso comum.

Mas nada que uma inteligência obstinada não consiga desvendar. E o segredo se encontra no passado, milhares de anos atrás, quando a humanidade ainda vivia nas cavernas e dependia da caça para sobreviver. Por uma divisão de tarefas, a mulher ficava com o cuidado das crianças e a coleta dos alimentos, enquanto o homem ficava responsável pela caça. Foi aí que então entrou a famosa seleção natural. Existiam dois tipos de homens: nossos dignos antepassados, que, como todo homem honesto, encaravam a gripe com máxima seriedade e ficavam de cama por dias, e os que não se abalavam por uma gripezinha, hoje extintos (havia também os que não caçavam, os veganos da época, mas esses não deixaram descendência por outro motivo). Extintos por quê?, alguém deve estar se perguntando. Muito simples: esses cavernosos valentões, cheios de húbris, testavam a sorte contra a natureza fora da condição física aceitável. Espirros na toca do tigre-dentes-de-sabre, olhos lacrimejantes na fuga do mamute enlouquecido, músculos cansados na hora de proteger a caça de ladrões e aproveitadores garantiram a retirada desses homens fortes do pool genético.

Mais uma vez, a mediania aristotélica mostra seu valor. Não o temerário, que morre por desrespeitar seu limite, nem o covarde, que é desprezado por não cumprir sua responsabilidade, mas é o homem prudente, que conhece seus limites, o verdadeiro vencedor. A ele ficam as batatas, as mulheres e a descendência. Por isso o sujeito que é acordado pela manhã não deve sentir vergonha quando seu corpo cansado parece perguntar, a cada coçada na bunda, “Calminha aí, campeão! Virou atleta quando?”, muito menos deve se sentir intimidado pelo esgar desdenhoso da mulher quando o vê rendido pela moléstia (afinal, ninguém morreu por tossir colhendo amoras no arbusto, ou amamentando recém-nascidos). Ele deve encher o peito de orgulho, sabendo que é naquele momento o símbolo superior da prudência e da humildade. É importante defender vigorosamente o legado de nossa hombridade, construído com milhares de anos de catarros convenientes e cansaços oportunos, especialmente contra a opressão utilitarista dos últimos tempos. Que a convalescença de vários dias seja um rito de homenagem àqueles grandes heróis, pais e sobreviventes, a quem todos tanto devemos e de quem mal nos lembramos.

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