Baseado em um episódio da vida de Santo Antônio de Lisboa e Pádua
Alta madrugada, e no mosteiro apenas dois frades estão acordados. Em sua cela, um jovem noviço inquieto, com milhares de pensamentos voando para lá e para cá em sua mente, coça as pernas e os braços, vira para um lado e depois para o outro, estrala os dedos das mãos um por um e depois volta a se coçar. Pelo corredor passa Frei Antônio, em direção à Capela. O rapaz insone vê sua silhueta em movimento, e então levanta e o segue. Vai pé ante pé, mantendo certa distância.
Ele sabe que Irmão Antônio quase não dorme, passa as madrugadas a rezar. Segue-o sempre que pode, gosta de ouvi-lo pregar, mas, principalmente, de vê-lo, naqueles momentos, rezar. É um santo remédio para suas frequentes insônias. Invariavelmente, o resultado dessa “espionagem” é sempre o mesmo: Irmão Fabrício “desmaiado” à porta da Capela – de onde espreita a contemplação do colega –, dormindo a sono solto, e coberto com um manto ali posto pelo próprio Frei piedoso.
Naquela noite, o sono demorando a chegar, o rapaz lá está em seu posto habitual já há longo tempo, tamborilando os dedos em silêncio na superfície de pedra da entrada, mais atento que o normal à rotina de Frei Antônio, que lê e relê com paixão o Evangelho de São João. Em determinado momento, o coração de Irmão Fabrício começa a acelerar e ele sente uma ansiedade boa, uma leveza, uma elevação mesmo. Segundos depois, vê saltar do grossa Bíblia em que detém Frei Antônio um bebê, e O reconhece imediatamente: é o Menino Jesus. Seu coração então acelera ainda mais, e ele cai de joelhos com os olhos muito abertos, vidrados, fixos na Criança que o bom Frei vai ninando em seus braços. Extasiado, o jovem põe-se a repetir para si mesmo:
– O Verbo se fez carne! O Verbo se fez carne!
Sente então que está levitando, e, enlevado, adormece.
De manhã, como de costume, é encontrado dormindo na porta da Capela, com o providencial manto sobre si. Em seu rosto, um sorriso largo.
Difícil escolha de história para escrever sobre um santo com tantas histórias espetaculares. De qualquer forma parabéns pelo trabalho.
Obrigado!