ENTREVISTA | Entre o tempo e a eternidade, a memória

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Daniel Laier fala sobre seu romance de estreia

A literatura brasileira, ainda que respire por aparelhos, passa bem. Isso porque o “oxigênio” é de boa qualidade e ainda fornece alguma qualidade de vida à cultura nacional. Bons e excelentes autores, aqui e ali, ainda podem ser encontrados produzindo obras de relevância e grandeza. Um deles é o estreante Daniel Laier, autor do recém lançado romance As massas, primeiro volume da trilogia O Labirinto do Corpo.

De cunho autobiográfico, a trama é centrada em Davi, um jovem de 26 anos que, prestes a prestar um importante concurso público, passa a sentir dores no abdômen, que mudariam sua vida. Percorrendo então uma interminável peregrinação de consultas, exames e cirurgias, Davi se vê entre o tempo (as ansiedades e preocupações cotidianas) e a eternidade (a possiblidade da morte próxima), o que o leva à estrada da Memória.

Acompanhe a entrevista a seguir e saiba mais sobre o autor, suas infliências, seu processo de criação e as histórias por trás de sua estória.


Revista Esmeril: Como você avalia o atual cenário da literatura brasileira?

Daniel Laier: Percebo que a literatura nacional e a grande mídia tratam de muitos temas em comum: questões de gênero, LGBT, racismo, feminismo e luta de classes. Esses temas, na verdade, sempre foram matéria de notícias, mas de repente tomaram conta da grande mídia. São uma presença constante nos jornais. E a forma de tratamento, mesmo em veículos diferentes, é a mesma, o que mostra o artificialismo dos textos produzidos. E a literatura nacional, de certa maneira, acompanhou esse processo, como se fosse um apêndice da grande mídia. Várias editoras reformularam seus catálogos do dia para a noite, e de repente nos deparamos com vários romances, escritos às pressas, que tratam dos temas que mencionei, também com pontos de vista mais ou menos homogêneos.

A mídia e as editoras dão grande destaque a esses livros, como se de fato tratassem de questões urgentes do nosso tempo e não houvesse mais nenhum assunto a ser abordado na literatura. O grande problema é que a literatura é fruto de visões particulares de mundo, e se você privilegia esses temas em detrimento de outros — e, nesse processo, muitos autores tentam adaptar seus textos em busca de um maior destaque nas editoras e na mídia —, o resultado é, obviamente, uma produção artificial. E o desastre, no caso do Brasil, é ainda maior, porque não temos a retaguarda de um Tolstói, um Dostoiévski, um Balzac ou um Proust.

Não digo que esses temas não devam ser abordados, mas acredito que o grande romance apresenta conflitos de visões, na maioria das vezes representados pelos personagens da trama. Tento fazer isso na minha trilogia, o que neste primeiro volume ocorre nos embates do protagonista consigo mesmo quando precisa definir qual rumo dará à sua vida. Um bom romance mostra a incerteza dos personagens, e seu esforço até encontrar um caminho — se conseguem encontrá-lo. Os romances sobre os temas destacados acima trazem um tom de denúncia, com o objetivo de moldar a realidade até adequá-la ao que os personagens entendem como o correto. Os personagens não duvidam de si mesmos, são repletos de certezas a respeito daquilo que lhes é caro.

Por outro lado, vejo um movimento importante em editoras fora do establishment, como a Danúbio, que tem como norte a publicação de novos autores com temáticas as mais variadas, além da Sétimo Selo, dedicada à publicação de clássicos esquecidos pelo mercado, mas que também começa a investir em novos autores.

Revista Esmeril: Fale sobre sua formação como escritor.

Daniel Laier: A leitura sempre foi uma das principais fontes de entretenimento quando era criança. Lembro-me da coleção Vaga-Lume, uma febre entre os alunos da minha geração. Foi sob a influência dos livros do Marcos Rey, publicados na coleção, que, sem perceber, comecei a contar minhas próprias histórias nas redações de escola.

Na adolescência, me afastei da leitura, pois era um ano mais novo do que o resto da turma e não consegui acompanhar o salto da coleção Vaga-Lume para os livros de Machado de Assis e José de Alencar. Nessa época voltei-me para as exatas e acabei prestando vestibular de engenharia. Na faculdade, voltei aos poucos à literatura, escolhendo os livros seguindo a minha curiosidade, e não o que a professora mandava ler porque caía no vestibular.

Mas o início da escrita começou muito tempo depois, quando já trabalhava. Nessa época já havia lido autores importantes como Tolstói, Dostoiévski, Kafka, Proust, entre outros.

Revista Esmeril: Como é seu processo de escrita?

Daniel Laier: Escrevo duas horas por dia, uma após o almoço, e outra após o jantar, durante a semana. Nos fins de semana, uma hora. Escrever exige constância, é a única forma de escrever um romance.

Revista Esmeril: Quais são suas principais influências e referências?

Daniel Laier: A poesia brasileira — Manuel Bandeira, Drummond, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes —, a literatura europeia em geral — Proust, Balzac, Fernando Pessoa, Flaubert, Thomas Mann, Stendhal, Mauriac — e a literatura russa — Tolstói e Dostoiévski.

Revista Esmeril: Como surgiu a ideia de escrever a trilogia “O labirinto do corpo”, e como foi o processo de escrita desses romances?

Daniel Laier: O labirinto do corpo é uma história de cunho autobiográfico. Aos vinte e seis anos tive uma doença — e não vou dizer aqui qual foi para não estragar a experiência do leitor — que me permitiu rever toda a minha vida. À época ainda não tinha a ideia de ser um escritor, esse processo levou alguns anos. Quando vivi a experiência, compunha canções, mas sempre quis narrar histórias mais próximas da minha vida, e não conseguia fazer isso na música. Foi a literatura que me ofereceu um espaço maior para narrar minhas próprias experiências.

Para a escrita do romance fiz uma ampla pesquisa em jornais da época em que se passa a história — para o primeiro volume, especificamente, o ano de 2005 —, e também em documentos pessoais do hospital onde fiquei internado, nos quais constam os resultados de exames e os relatórios de médicos e enfermeiros, que compõem um verdadeiro diário de todo o tratamento.

Revista Esmeril: Fale um pouco mais sobre o primeiro volume dessa trilogia, o recém-lançado As massas, e sobre seu protagonista, Davi.

Daniel Laier: Além do assunto principal, as massas na barriga do protagonista, faço uma abertura para vários outros temas que serão abordados nos volumes seguintes. A literatura me permitiu não só me aprofundar no conhecimento das minhas experiências, mas perceber como teorias e conceitos moldam o comportamento das pessoas e as cegam para a realidade em torno. É isso que procuro mostrar na trilogia.

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