ISRAEL SIMÕES | Vocação

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Quando você intui a sua vocação, aquele relance de você mesmo fazendo o que ama fazer, é preciso permanecer quieto, paciente e criterioso. Quem tem pressa come cru, já dizia o provérbio.

Para começo de conversa, você sabe o que é amar?

Não é sentir o gozozinho prazeroso de uma atividade sensorialmente estimulante. Isso é coisa de bicho. Para saber o que você ama, terá que descobrir o dever para o qual a realidade te convoca, a significação da sua vida que você perseguirá todos os dias. Isto é o que chamamos realização: constatar que, entre tropeços e quedas, você permaneceu no eixo. Dignificou a glória e a cruz.

Descobriu o que você quer da sua vida? Então calma de novo, porque querer fazer não significa que você é capaz de fazer, muito menos que as pessoas esperam que você faça.

A vida em sociedade é marcada por uma distribuição de papéis sobre os quais criamos expectativas mútuas e um sistema de legitimidades; em outras palavras, direitos e deveres. Ter o reconhecimento de que você está capacitado é bem mais complexo que a sua mera vontade.

Por exemplo: você pode querer dar a sua opinião sobre determinado assunto e assim o fazer, mas se for tola, então ao seu direito corresponde o dever do outro de desprezá-lo. Tem muita gente dando opinião sobre o que não sabe para ser ignorado, rejeitado, ficar sozinho e sofrer. As redes sociais estão lotadas de palpites mal escritos e pouco fundamentados, que só ganham umas curtidas porque, no Brasil, os amigos e parentes têm mania de dar uma forcinha (ou porque o dono do post é atraente. Temos mais tolerância com a burrice de gente bonita…).

Se você insiste no seu “sonho” mesmo com a indiferença geral, então você só quer demonstrar que já virou adulto, que tem uma cota de poder pessoal para decidir fazer o que bem entende, o que é uma necessidade da adolescência. Adulto mesmo vai além e não apenas faz, mas faz algo útil, obtém um resultado efetivo. E não adianta tentar disfarçar uma personalidade fragmentada com estereótipos: não é porque muita gente fala que procede, e não é porque outras pessoas fazem que você pode fazer.

Também não basta entregar mais ou menos, fazer meia boca: cumprir a vocação é converter a máxima potencialidade em máxima utilidade.

As pessoas sabem diferenciar quem tem real domínio sobre algo de quem não tem: o primeiro se entrega de corpo e alma, convicto do que faz, enquanto o segundo fica observando e esperando a aprovação. Porque ainda não tem consciência biográfica, o sujeito inseguro busca, em uma atividade qualquer, o reflexo da sua unidade, uma identidade própria, como se fosse possível fazer algo antes de ser alguém.

Se você está trocando a sua vocação por um projeto de validação social, vai fracassar em ambos. Pode até enganar um ou outro, mas a multidão mesmo aplaude quem faz aquilo que sabe fazer de melhor.

Portanto hoje quero dar este conselho aos jovens talentosos e afoitos desta geração: vão com calma. Esqueçam os sonhos de papai e mamãe, as vocações de prateleira. Estudem, contemplem ao redor e empenhem-se nas obrigações mais elementares como manter as unhas cortadas, lavar os copos sujos, tirar o lixo do banheiro.

Então aguarde o vislumbre, aquele relance de que falei no início: você acabado, concluído, forjado para o mais perto que pode chegar da perfeição.

É neste lugar que você experimentará a grandeza de não apenas receber honras, mas de verdadeiramente merecê-las.

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