ISRAEL SIMÕES | A cegueira dos inocentes

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

O BBB 23 acabou. Na última quarta-feira (26), o apresentador Tadeu Schmidt anunciou a grande vencedora da atual edição do Big Brother Brasil, escolhida por meio do voto popular: trata-se de Amanda Meirelles, 32 anos, que superou as famosas Aline Wirley e Bruna Griphao para levar para casa o prêmio de 2,8 milhões de reais.

A edição teve a pior audiência da história do programa. Carregada de militantes escolhidos a dedo pela Rede Globo para levantar pautas como racismo, machismo e a agenda LGBT, o antigo líder de ibope virou um palanque político dos mais chatos e repetitivos. Até discurso sobre intolerância religiosa rolou no programa, por causa do comentário de um participante sobre medo de macumba (…).

Depois de 8 anos produzindo ativismo gourmet no Fantástico, parece que Schmidt resolveu levar o modelo ao BBB, oferecendo uma mistura confusa de vulgaridade com lições de vida da mais alta moralidade. Toda semana o apresentador dava uma palestrinha, reproduzida pelo Uol como verdadeiras pregações dominicais.

Confusão é a última coisa que o telespectador espera de um programa como o Big Brother. Em um reality show os fatos devem se desenrolar da maneira mais óbvia: sexo, porrada, festas e as estratégias de jogo para eliminar os adversários. O público precisa sentir que é superior aos participantes, como Cómodo nas arquibancadas do Coliseu. Quem assiste tem a visão do todo, portanto sabe mais, ao mesmo tempo em que mantém distância da humilhação de estar lá embaixo. Esta é a graça.

Nos últimos tempos, no entanto, a direção da Rede Globo resolveu assumir o protagonismo da própria arte, subindo no palanque, como se o telespectador fosse aluno sentado em sala de aula. As situações criadas pela direção do programa servem para transmitir uma mensagem, empurrando o público para uma visão obrigatória do jogo, um certo ângulo, que favorece uma narrativa ideológica. É o mesmíssimo movimento de Hollywood e toda cultura pop: usar a indústria do entretenimento como engenharia social.

Se antes a putaria do BBB escandalizava, agora é o próprio escândalo o enredo central do show. A vigilância das câmeras espalhadas pela casa já não se dá sobre o jogo em si, mas nos possíveis deslizes dos participantes que possam ser enquadrados nas pautas progressistas.

Veja, por exemplo, qual foi a grande polêmica do BBB 23: a expulsão do lutador de MMA “Cara de Sapato” juntamente com o cantor MC Guimê. Eles foram acusados de assédio sexual contra Dania Mendez, uma participante do “La Casa de Los Famosos” (espécie de BBB mexicano) que veio fazer um “intercâmbio” no programa brasileiro. Ambos acabaram de ser indiciados pelo crime de importunação sexual. Agora o processo judicial segue da Polícia Civil do RJ para o Ministério Público.

A situação com Guimê se deu em uma daquelas festas noturnas de BBB regadas a álcool: em uma rodinha de conversa, o cantor passa a mão nas costas de Dania e… desce. A mexicana continua conversando enquanto é acariciada, sem qualquer gesto de rejeição. Com Sapato foi pior: ambos se deitaram na cama, com Dania o abraçando e beijando calorosamente. Por um momento Sapato coloca o edredom sobre o rosto do casal, como quem brinca que vai avançar, mas Dania puxa a coberta e solta um “no”, em seguida rindo, dando um tapinha em Sapato e prosseguindo nos amassos.

A mexicana não fez qualquer queixa sobre os episódios, mas a Rede Globo informou ter sua própria visão do caso. No momento em que Tadeu Schmidt anunciou a eliminação, todos os participantes mostraram-se surpresos com a notícia, sendo a prórpia Dania quem ficou mais abalada. Simplesmente não entendeu nada.

Pior: todos os fatos se deram na frente das câmeras, com transmissão ao vivo e sem qualquer interferência dos diretores da Rede Globo. Desde quando crime é filmado, transmitido e patrocinado em rede nacional? Por que a Globo não foi responsabilizada no episódio?

Está evidente que o cenário foi montado pela emissora, com aval da justiça e das forças policiais, para criar uma narrativa: a de vilanização dos comportamentos “heteronormativos” para exaltação de “todas as outras formas de amor”.

Mas o povo ainda tem o voto, como na política tem as urnas (presumimos). Elegeu como vencedora a moça loira, sulista, médica, filha de militar, que passou os três meses dentro da casa dormindo, exibindo dancinhas desengonçadas e se defendendo das provocações dos colegas.

E quase se apaixonando colegialmente pelo cafajeste: Amanda chegou a flertar com Cara de Sapato, mas nem beijo deram. Ficou só na amizade. No fim sua vitória ficou parecendo voto de protesto, para deixar claro que a moralidade falaciosa e mercenária de Boninho e sua turma não interessam. Prêmio para a “planta” porque o ser humano está dando preguiça.

Mas não se engane: o que você está testemunhando aqui não é a legitimização da pessoa comum, cuja vida ainda preserva traços de normalidade, resistindo à massificação da agenda progressista. Se pela internet não faltam elogios à Amanda por sua educação, meiguice e um certo espírito democrático de quem lida bem com todo mundo, também é verdade que a vencedora não fez absolutamente nada de relevante nos três meses em que passou confinada. Mal tomava banho, diga-se de passagem.

Na verdade, a final do BBB 23 é mais uma evidência de que a radicalização da cultura mainstream na direção do feio, do esdrúxulo e do disruptivo está produzindo, no público, o seu oposto: a infantilização, o deslumbre, a admiração de pessoas cujas maiores qualidades são aspectos tão elementares da natureza humana que deveriam passar simplesmente despercebidas.

Veja, por exemplo, o Oscar deste ano: nenhuma imagem viralizou mais, nas redes sociais, do que o gesto de atenção da cantora Lady Gaga com um fotógrafo que tropeçou em seu vestido. Uma ação automática, um mínimo de civilidade, mas que provocou a comoção geral da geração Z.

É exatamente este o comportamento que observamos em pacientes cuja infância foi marcada por confusões, traições, abandono, desestrutura familiar: tornam-se bobinhos, carentes de qualquer demonstração de cuidado materno. Depois são os primeiros a abraçar pautas como o aborto, a ideologia de gênero e o racismo estrutural, de tanta pena que sentem das supostas vítimas da sociedade. Ainda que tenham dificuldade para aderir aos projetos da militância mais aguerrida, sem perceber, já levantaram suas bandeiras.

Se a vitória de Amanda representa a rejeição do maquiavelismo travestido de pauta social, da militância identitária intolerante e odienta, também é um sinal de que a modernidade está abraçando o nada, o oco sentimental, a passividade ingênua e afetada, a fragilidade inexpressiva. Retornando à infância porque os demônios da vida adulta estão com a corda toda.

Que tipos como Tabata Amaral cresçam na política (ou Tiago Iorc na música…Cortella na filosofia…) é a prova de que o Brasil começa a acreditar na fofura como gesto de nobreza.

Tudo que a Rede Globo quer: transformar o público em crianças diante de telas, crentes de que estão assistindo desenhos inofensivos, mas no fundo adquirindo uma cegueira ideológica periférica para, al fin y al cabo, aceitar qualquer ideologia que as tire do estado angustiante de uma consciência demolida.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Professor Olavo tinha razão: Bolsonaro deveria ter derrubado a Globo. Mas isto seria um ato ditatorial, e no fundo desejamos que as pessoas despertem, pois só assim que o mal será dominado. Parabéns pelo texto.

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