“Acordei, tu ‘tava me chamando, eu ‘tava de ladinho e tu ia colocando” […]. Esta poesia maravilhosa que você acabou de ler é parte da letra de Campo de Morango, nova música lançada, há pouco mais de uma semana, pela cantora Luísa Sonza. Junto à Anitta e Ludmilla, Sonza vem dividindo os holofotes da indústria fonográfica brasileira. Quando saiu o clipe do single, com a cantora simulando um ritual ensanguentado, botando língua pra fora, rodopiando o corpo e outras bizarrices, logo os conservadores foram para as redes sociais acusa-la de satanismo. Pulularam pelo Instagram artigos e postagens condenando a moça, a cultura desconstrutivista, o feminismo, a putaria. Com razão.
Mas a própria grande mídia reverberou as críticas, colocando em cheque a popularidade da ex-namorada de Whindersson Nunes. Neste caso, podem desconfiar: se o jornalista do UOL resolveu posar de paladino da moral de dos bons costumes, tem caroço nesse angu. E eu cantei a pedra.
No dia seguinte à divulgação do clipe, gravei um vídeo para o Instagram denunciando que o novo projeto de Luísa Sonza era mais um exemplo do que nomeei Manobra do terreno rebaixado. Explico: segundo o estrategista político americano Scott Adams, quando um candidato conduz o debate de detalhes controversos para um conceito superior sobre o qual todos concordam, ele está utilizando uma técnica de persuasão chamada Manobra do terreno elevado. O que tenho observado, recentemente, na indústria do entretenimento é o movimento inverso: uma polêmica intolerável, o escândalo-consenso, sobre o qual a massa discorda sem hesitar, para depois ser jogada, novamente, no suco dialético dos estímulos contraditórios.
Veja a confusão em torno da Balenciaga, no final do ano passado, quando a grife lançou uma campanha que estampava a imagem de crianças com objetos eróticos: todo mundo ficou chocado (de novo, com razão), mas a própria classe artística deu um jeito de promover o expurgo, o julgamento moral daquela coisa abjeta, para depois voltar a aplaudir os desfiles esquisitíssimos da marca parisiense com modelos cadavéricos marchando no meio da lama.
“Não mexa com os nossos filhos”, foi o que todo mundo bradou. Então a bizarrice adulta segue sem objeção.
O próprio funk tem a função de escrachar a vulgaridade para que você não veja problema, por exemplo, nesses cantores sertanejos que usam roupas tão apertadas ao ponto de marcar sua genitália.
Até Bolsonaro fez uso da técnica: quem não se lembra quando o então deputado federal declarou que única coisa boa do Maranhão era o presídio de Pedrinhas? Chocou, atraiu e ali, no escândalo-consenso, começou a pavimentar um projeto político bem mais ameno: Deus, pátria e família.
Luísa Sonza, para quem compreende os jogos modernos de manipulação psicológica, não poderia ter sido mais previsível quando lançou, há dois dias, o segundo single do seu novo projeto: Principalmente Me Sinto Arrasada. Bem diferente de Campo de Morango, agora Sonza não está gozando, mas surtando, entre batidas de rap e acordes orquestrados, levando o público a um delírio sentimentalóide que, de imediato, perdoa os demônios soltos na semana anterior.
Enquanto você tenta salvar o seu filho dos chifres e tridentes, vai sendo implantada na mentalidade geral uma curiosidade pelas trevas psíquicas, a glorificação da loucura, da violência reativa de quem preserva sua “saúde mental”. Estão esticando a corda ao nível do absurdo para que todos aceitem, de bom grado, o que é apenas mal.
Com o aval dos conservadores, que são ótimos para alimentar as ovelhas e péssimos para defende-las das armadilhas dos lobos.
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