SANTO CONTO | Viva o Rei!

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Livremente baseado no primeiro milagre de São Luís 

O cortejo fúnebre seguia pelas ruas de Paris. Posto sobre cinzas em seu esquife, vinha o amado rei, morto no Oriente. Depois de longo trajeto, seu corpo chegava em casa, preservado como só é cabido aos santos. A cavalo, precedia a procissão seu filho e herdeiro, em cujo olhar profundo e distante mesclavam-se tristeza e ternura. À frente do cavaleiro, ia um arauto que balançava um sino e gritava repetidamente, a plenos pulmões:

– O rei morreu! Viva o rei! O rei Morreu! viva o rei!

Cercavam o rei morto diversos nobres e religiosos, e, em torno, seguia uma multidão. O povo chegava aos milhares, gente de toda parte, de todo tipo e toda idade, alguns aos berros, outros silenciosos; alguns calmos, outros aflitos; gente que chorava, gente que orava, e muitos, muitos mesmo se espremiam para conseguir chegar perto e tocar, senão o corpo do monarca, ao menos seu esquife.

Entre aquele povaréu vinha aos tropeços uma dona, carregando no colo um menino já crescido, mas que não podia andar. Suas pernas eram encolhidas e tortas, e de uma delas, na panturrilha, minava uma pústula cujo fedor ou a simples visão causavam ânsia aos camponeses mais brutos. Uma ferida podre que havia tempo só crescia e virava um rasgo na perna já inútil do pequeno, que logo a perderia.

A mulher ia ansiosa, mas decidida. Apesar da atrapalhação, mantinha a firmeza nas pernas e no espírito, e ia conseguindo, centímetros aqui, centímetros ali, avançar em direção ao esquife. A pústula do filho, em muitos momentos, abria-lhe generosas brechas em meio à ojeriza ou a piedade dos populares.

E assim a mulher foi, de trombalhão em trombalhão, em meio ao calor daquela massa humana, com o pequeno já espremido e colado ao seu corpo, quase chorando, até que chegou o mais perto que pôde do esquife e, fazendo um esforço para ela sobre-humano, inclinou-se até que lançou um dos braços em direção aos restos do rei santo, e conseguiu: seus dedos resvalaram o esquife. Mas, nesse movimento, a pobre se desequilibrou e caiu, quase batendo a cara no chão, e desmaiou.

Acordou pouco depois, cercada por algumas pessoas que a amparavam. Demorou um pouco para assimilar a situação, mas então arregalou os olhos e gritou quando escutou os brados do valete e o barulho da multidão que viu já se afastando, a certa distância:

– Meu filho! Cadê meu filho?

Ergueu-se de um salto e disparou em direção ao cortejo enquanto gritava o nome do menino, desesperada. Mas eis que então viu o pequeno sair do meio do povaréu e correr em direção a ela, com pernas firmes, fortes e saudáveis. Ele vinha suado, com o rosto vermelho, alternando alguns saltos com a corrida, enquanto repetia os brados do valete: “O rei morreu! Viva o rei!”.

Então, foram as pernas da mãe que amoleceram a falharam. Sem fôlego, ela caiu por terra, de joelhos, enquanto olhava embasbacada o menino que vinha em sua direção. Quando ele chegou, abraçou-a num tranco violento, com força, e os dois acabaram rolando pelo chão. Quando se levantaram, ela o pegou com os dois braços e o ergueu maravilhada. Puxou-o para si e o abraçou com força, e o encheu de beijos. Quando o soltou, o menino disparou a correr e saltar de novo, repetindo a plenos pulmões:

– O rei morreu! Viva o rei!

A mãe, ainda entre o assombro o êxtase, caiu outra vez de joelhos, e, erguendo ao céu os olhos cheios de lágrimas, gritou:

– Viva o Rei!


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