BRUNA TORLAY丨Sound of Freedom

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Na manhã desta segunda-feira, recebi o link de uma gravação pirata do filme mais falado das últimas semanas, protagonizado por Jim Caviezel e intitulado “Som da Liberdade”. Vi na telinha do celular, com legendas imprecisas e qualidade visual péssima. O filme é maravilhoso e justifica o estrondo que tem produzido.

A razão de ser do próprio filme surge da consciência de Tim Ballard, ex-agente da Homeland Security Investigations interpretado por Caviezel, quanto à regra moral: os filhos de Deus não estão à venda. Nós, seres-humanos, quando somos vendidos, quando viramos objeto de transação comercial, acabamos reduzidos a objetos. Comercializar pessoas é simplesmente negar-lhes a humanidade. Mas o tráfico de gente não só é real como envolve crianças; e não só envolve crianças como cresce absurdamente a cada ano. O filme retrata com realismo impressionante como isso acontece e as vidas despedaçadas que ficam pelo caminho.

Esse mês, refletimos aqui sobre a “cultura da morte”, expressão mais fiel de uma visão de mundo niilista. Se Deus não existe, tudo é permitido – matar os próprios filhos quando estão mais indefesos que nunca; destruir a criação; dilacerar famílias; vender mentiras a respeito do ódio, fantasiando-o de amor; vender amor e liberdade e entregar ódio e destruição. Eis o cerne da cultura da morte. O filme sobre a aventura de Tim Ballard, o agende de inteligência que se embrenhou no território do narcotráfico colombiano para resgatar uma criança do inferno e voltou vivo para contar a história, mostra um conjunto horrendo de seres-humanos que perderam a própria humanidade e deliberadamente a dizimaram no próximo.

O problema, claro, é que ninguém perde a humanidade sem expresso consentimento. Uma criança vendida como mercadoria sexual por um sujeito vazio de humanidade a ponto de roubar crianças de suas famílias para as vender a pessoas que lhes farão violência, pode voltar a brincar, se tiver a chance de ser resgatada. Por isso, a certa altura do filme, Tim Ballard repensa sua trajetória, deixa o trabalho nos EUA e cria meios de devolver a crianças reduzidas a estatuto de objetos sua liberdade. Quando elas a recuperam, brincam de tocar música. Daí o som da liberdade, que dá nome ao filme.

Todas as cenas são perturbadoras. O filme tem muitas passagens dignas de embrulhar o estômago. Mas a mensagem final é de esperança, porque o enredo é tecido em torno de duas crianças que, roubadas de seu pai, são resgatadas e voltam para casa. É difícil ver crianças sendo manejadas por canalhas destituídos de amor e dominados pela ambição. Mas é um alivio ver as mesmas crianças em casa e os desgraçados presos numa operação policial fantástica, típica de uma alma honesta repleta da audácia dos canalhas, portanto capaz de os pegar na curva.

O filme faz um sucesso estrondoso, mesmo com distribuição pequena e sem propaganda e barulho da mídia – caso de Barbie, mais um filmeco permeado de ideologias baratas feito para ser esquecido – porque é profundamente verdadeiro. Além de Tim Ballard, há outros personagens extraordinários, quanto ao drama que carregam dentro de si, e por meio do qual acessamos as suas alma. Destaco o parceiro que Tim encontra na Colômbia, um sujeito com trajetória ligada ao crime organizado, mas que a certa altura da vida tem a consciência moral subitamente despertada. Por uma vida destroçada que passou em seu caminho. Resolve então viver para devolver-lhe a forma mais próxima da original possível – ou seja, o domínio sobre sua vontade, o livre-arbítrio, a liberdade. Um sujeito que se embrenhou por muito tempo no mal, e do fundo do poço viu o rosto do bem, pelo qual decidiu voltar a viver.

É um filme profundamente verdadeiro porque revela o embate entre bem e mal no coração dos próprios homens, e a disputa acirrada entre os portadores de luz interna e os propagadores de dor e escuridão, por corações ainda não necessariamente perdidos. O filme retrata o inferno e sua rota de saída; tensão essa que marca nossa vida inteira, quando mesmo ladeados pela sombra, mantemos dentro de nós a chama da vida acesa. O nome disso é alma e as crianças a manifestam através do som da liberdade.

Não sou estraga-prazeres, então paro por aqui. Mas é preciso que você o assista.

Até o final do mês, só Deus sabe quantos milhões de espectadores mundo afora terão derramado sua cota de lágrimas pelo filme, na sala de cinema ou sobre a versão pirata de qualidade ruim. Quando entrar nos cinemas aqui no Brasil, se de fato a distribuição achar uma brecha para o pôr em cartaz em algumas salas, o sucesso será líquido e certo. Dramas profundos tecidos com doses generosas de realismo são sempre encantadores, eternos e profundamente catárticos. Não pela emoção passageira que desencadeiam, mas pela reconciliação intensa que promovem entre cada espectador e sua própria alma – ou razão de existir.

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