BRUNA TORLAY丨Vice-presidente associa Funk a ENEM

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Do que se trata?

O baixo nível do gênero musical chamado “funk” é um fato público, notório e objetivo. Musicalmente, é paupérrimo, mesmo para os padrões da música popular, quase sempre muito fraca em comparação à música clássica. Ademais, a expressão verbal é de baixíssimo nível, não apenas pela quantidade e qualidade dos termos de baixo calão, muito frequentes, como também pela pobreza do vocabulário.

Não perderei tempo com o assunto “gosto não se discute”. É claro que se discute. O que não se discute é o direito que tem cada ser-humano de cultivá-lo, por pior que ele seja. A Constituição não nos proíbe apreciar música ruim, literatura barata ou teatro da pior qualidade. Somos igualmente livres, diante da lei, para manifestar, consequentemente, o nosso eventual mau gosto – o que não o torna automaticamente bom gosto. Logo, o fato de tantos brasileiros gostarem muito de funk não significa que o gênero tenha méritos expressivos no universo musical das artes; apenas que são muitos os brasileiros com baixa capacidade de apreciação musical.

No último dia 26 de abril, o atual vice-presidente, Geraldo Alckmin, soltou uma pequena pérola da ciência política em sua conta do X. Por meio de uma postagem em tom jovial, ele recordava à “geração Funk” que o prazo para solicitação de isenção de taxa no ENEM estava para expirar. Leiam com seus próprios olhos:

O vice-presidente certamente conhece os péssimos índices educacionais do país. Afinal, foi governador de SP inúmeras vezes, e o estado é atento aos índices de desenvolvimento da educação brasileira (o famoso IDEB). Logo, num gesto de empatia, tascou um deslize de norma culta, evitando introduzir a preposição “para” a fim de completar o sentido da expressão “estar liberado… para fazer alguma coisa”. Por que ofender a Funk Generation com opressivas regras de regência verbal, como fazia, ao usar mesóclise, aquele detestável senhor golpista que, evidentemente, destruiu a educação com a malfadada reforma do ensino médio?

Essa é a razão por que classifico a postagem como “perola da ciência política”. O vice-presidente sabe que a vasta maioria dos estudantes inscritos no ENEM desconhece a norma culta. MAIS: sabe ainda que os mesmos mal podem esperar para ouvir o novo álbum da diva por excelência do funk nacional. O gênio de Geraldo não resistiu: converteu toda a sua sapiência sobre involução concreta da educação brasileira na frase de efeito perfeita para lembrar os jovens de baixa renda (afinal, classes médias e altas não precisam ficar atentas ao prazo de pedido de isenção da taxa) de fazer a lição de casa.

Claro que é um fato menor da política nacional, um vice-presidente que ostenta sua desesperança quanto ao povo por ele governado ter recebido educação suficiente para preferir música clássica ao funk; claro que é só um detalhe, o ministro do desenvolvimento soltar a associação entre cultores do funk e pessoas de baixa renda, dependentes da isenção para inscrever-se no Exame Nacional do Ensino Médio.

Com este recado, nosso caro Geraldo revela não apenas que o atual governo é elitista, como também que desistiu de trabalhar arduamente para o funk não se consolidar como parâmetro de cultura geral, e especialmente àqueles que mais dependem de destacar-se intelectualmente para sair da favela e conseguir dar à futura família uma vida melhor. Pérola da ciência política, afinal, em time que está ganhando (o regime contra o povo, cada mais ignorante e despreparado), não se mexe.

Dizia Francis Bacon que a investigação científica não deve desprezar os fatos menores, pois eles podem ser a pista que nos conduz às descobertas mais relevantes. Agora eu deixo a vocês uma lição de casa: o que a modesta e irrelevante postagem de Geraldo aponta sobre os planos do governo Lula para o engrandecimento intelectual dos brasileiros?

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